quinta-feira, 18 de outubro de 2007

O naufrágio e o caos

Ando às voltas com o mito Che Guevara para a dissertação de mestrado. Leio, ao mesmo tempo, Néstor García Canclini, Michel Maffesoli, Gilbert Durant, Everardo Rocha, Juremir Machado da Silva, Edgar Morin, Mike Featherstone e Jean Baudrillard, para citar alguns. Não que todos esses autores se encontrem no final da estrada, embora sempre se possa captar uma ou outra noção teórica, alguma opinião convergente entre autores diferentes. Mas de tanto ler, escrever e ouvir a palavra mito nos últimos dias, até por conta dos 40 anos da morte de Che, lembrado em 9 de outubro passado, me veio à mente Jean-François Lyotard e o seu livro “O pós-moderno”, de 1986.

Foi ele, Lyotard, um dos primeiros a tratar deste termo tão controverso que é o pós-moderno. O livro de Lyotard é uma espécie de documento fundador do assunto. E o que nos diz o autor francês? Para ele, a pós-modernidade coloca em xeque as grandes narrativas ou, como ele prefere chamar, os metarrelatos, como o marxismo, o comunismo, o freudismo etc. Enfim, em última instância, são narrativas que, em algum momento, teriam sido verdades. Lyotard afirma que, na pós-modernidade, os metarrelatos caíram em descrédito. Vivemos a incredulidade nos metarrelatos, portanto.

O mito, diz o autor, é o metarrelato das sociedades primitivas. Mas as grandes narrativas também são os mitos das sociedades contemporâneas. São histórias que as pessoas contam para elas mesmas para que encontrem a verdade. Nós tentamos, ainda que em vão, buscar a verdade. Os mitos, as narrativas servem para ratificar a verdade, nas palavras de Juremir Machado da Silva.

Lyotard culpa o desenvolvimento da ciência e das tecnologias pelo descrédito dos metarrelatos, como se a âncora que nos mantém seguros fosse, aos poucos, se soltando até deixar nosso barco à deriva. Sim, porque, quando não há mais a grande narrativa, o mito e as histórias para ratificar a verdade, o que fica em seus lugares? Para Lyotard, esse espaço vazio é a pós-modernidade, uma espécie de crise de legitimação do saber.

Juremir fez a pergunta: Quando o saber é legítimo, verdadeiro e aceito hoje? Quando? O que é arte? O que é ciência? A definição de arte é dada pelos artistas e seus pares. São eles que definem o que é arte. Assim como a ciência e suas verdades. Há pouco tempo tínhamos, por exemplo, o planeta Plutão. De repente, da noite para o dia, os cientistas decidiram que Plutão seria rebaixado à categoria inferior, não seria mais um planeta. Durante anos, nos convencemos de que Plutão era um planeta, de verdade. Parece que isso não passou de um engano. Ou teria sido o resultado de uma disputa de poder entre os cientistas? Ou um acordo que teria expirado o prazo para manter Plutão um planeta? É que não vale esquecer: a ciência é formada por seres humanos, com todos os seus jogos, falhas e seus objetivos profissionais, de carreira, sua vaidades e disputas permanentes. Mesmo a despeito das permanentes mudanças sociais e culturais, talvez os mitos se mantenham presentes nas sociedades porque neles ainda encontramos uma âncora ou um fio terra, para usar expressão de Sandra Jatahy Pesavento, que nos ajuda a evitar o naufrágio e escapar do caos.
* Plutão, a partir de sua lua Caronte