segunda-feira, 21 de julho de 2008

Che Guevara: imagem em movimento

Parece não haver dúvida de que o mito de Che Guevara tem se mantido presente 40 anos depois de sua morte em grande medida pela existência de uma imagem. A foto foi registrada no dia 5 de março de 1960 por Alberto Korda, que era o repórter fotográfico oficial da Revolução Cubana, em um ato em homenagem às vítimas de uma sabotagem ao barco francês La Cumbre, dinamitado no porto de Havana. A foto de Korda é apontada como a imagem mais famosa do mundo, segundo Marylan Institute, de Washington. O destino do retrato de Che encontra repouso nas palavras de Roland Barthes em suas teorias sobre fotografia. Para o pensador, “o que a fotografia reproduz ao infinito só ocorre uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente”[1]. Para Barthes, o fotografado não é apenas um alvo do fotógrafo.

Aquela ou aquele que é fotografado é o referente, espécie de pequeno simulacro, de eídolon emitido pelo objeto, que de bom grado eu chamaria de Spectrum da fotografia, porque esta palavra mantém, através de sua raiz, uma relação com o ‘espetáculo’ e a ele acrescenta essa coisa um pouco terrível que há em toda fotografia: o retorno do morto[2].

O retrato “é um campo cerrado de forças”, acredita Barthes. Segundo o pensador, é no que chama de foto-retrato que “quatro imaginários aí se cruzam, aí se afrontam, aí se deformam”[3].

Diante da objetiva, sou ao mesmo tempo: aquele que eu me julgo, aquele que eu gostaria que me julgassem, aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele se seve para exibir sua arte. Em outras palavras, ato curioso: não paro de me imitar, e é por isso que, cada vez que me faço (que me deixo) fotografar, sou infalivelmente tocado por uma sensação de inautenticidade, às vezes de impostura (como certos pesadelos podem proporcionar). Imaginariamente, a fotografia (aquela de que tenho a intenção) representa este momento muito sutil em que, para dizer a verdade, não sou nem um sujeito nem um objeto, mas antes sou um sujeito que se sente tornar-se um objeto: vivo então uma microexperiência da morte (de parêntese): torno-me verdadeiramente espectro[4].

Jean Baudrillard vai além e afirma que a fotografia é o nosso exorcismo. “A sociedade primitiva tinhas suas máscaras, a sociedade burguesa, seus espelhos, nós temos nossas imagens”[5]. Para ele, a imagem fotográfica é dramática e, por ser dramática, é exaltada até mesmo pelo cinema. “O próprio cinema cultiva o mito da câmera lenta e do congelamento como o ponto mais alto da dramaticidade”[6].

E é este grau dramático da imagem fotográfica que provoca reações, sensações e expressões no receptor, que constrói sentidos, ou seja, o imaginário. Silva afirma que o imaginário é uma língua[7], que nós nos comunicamos por meio de nossos imaginários. Nas palavras do autor, o imaginário é uma narrativa mítica da era da imagem[8]. A imagem de Che é a sua própria língua, que mesmo silenciosa, se comunica e contagia gerações.

Se a imagem fotográfica tem a capacidade de se comunicar e contagiar as sociedades, o cinema potencializa este fenômeno, especialmente porque o cinema é o ancoradouro do mito da História. Em Simulacros e Simulação, Baudrillard tece uma relação entre mito, cinema e imaginário. Para ele, a História é o nosso mito, nosso referencial que já não existe mais. Com o fim da História, segundo Baudrillard, foi o cinema que a abrigou e passou a produzir o conteúdo imaginário do mito. No caso de Che Guevara, um dos personagens mais instigantes do Século XX, o cinema tem, de tempos em tempos, se ocupado do mito guevarista e daquele período histórico. Este artigo busca estabelecer um diálogo entre o pensamento de Baudrillard sobre cinema e Diários de Motocicleta, filme de Walter Salles.
* Foto de Juan Domingues

[1] BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 13.
[2] Ibidem, 1984, p. 20.
[3] Ibidem, 1984, p. 27.
[4] Ibidem, 1984, p. 28.
[5] BAUDRILLARD, Jean. A arte da desaparição. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p. 30.
[6] Ibidem, 1997, p. 33.
[7] SILVA, Juremir M. As tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 7.
[8] Ibidem, 2003, p. 7.