segunda-feira, 23 de março de 2009

O Brasil não é um país democrático

Os políticos adoram dizer que o Brasil é um país democrático. Para eles, o Brasil é uma maravilha de democracia. Volta e meia, um desses engravatados elogia o “amadurecimento” do processo democrático do país. Lindo isso. Chego a ficar arrepiado quando ouço palavras tão sinceras. É óbvio que ao exaltarem a democracia verde-amarela, eles estão comparando o momento atual com a ditadura militar. Bem, neste paralelo, não há dúvida de que vivemos num país pra lá de democrático, vivemos num paraíso.

A mídia, que sofreu muito com a ditadura militar, também se derrete toda vez que os brasileiros vão às urnas escolher os “representantes do povo”. E é aí que eu quero chegar.

Jamais viveremos em um país democrático enquanto um cidadão for obrigado a votar.

Se existe uma coisa que não combina com democracia é voto obrigatório. Por que somos obrigados a isso? Por que? Costumo ouvir que é melhor ser obrigado a votar porque, do contrário, sabe-se lá que políticos serão eleitos.

Ora, por favor. Ninguém pode dizer que ficará melhor ou pior. Melhor? No Brasil, não é preciso muita coisa para que o Congresso Nacional, por exemplo, seja melhor. E também não precisa quase nada para que ele seja pior do que já é. Então, por que somos obrigados a comparecer às urnas para votar?

É claro que eu não espero que os políticos avancem no seu modo de pensar em relação a isso. Afinal, eles precisam de pessoas que votem. Do contrário, não serão eleitos. Por isso, a cada período eleitoral, eles exaltam “a força da democracia brasileira“. É uma afirmação em benefício próprio! A democracia não passa pelo voto obrigatório. O país de Barack Obama é o maior exemplo disso.

Se os políticos não avançam nesta questão, pelo menos a mídia deveria fazê-lo. Mas não faz. A mídia também se arvora nos períodos eleitorais, você sabe. No dia da votação, um dos maiores clichês da imprensa brasileira se repete: “Eleitores vão às urnas, na festa da democracia”. E manda matérias da "festa", mostrando jovens de 16 anos e pessoas de idade avançada, que não são obrigadas a votar, nas filas para darem "o exemplo de civismo e amor ao país”.

Também entendo a paixão da mídia por eleição. Das urnas saem políticos. E políticos trabalham em leis. E leis podem – e muito – beneficiar grupos de Comunicação Brasil afora.
Para os políticos e a mídia, a obrigação de votar é um ato democrático. Não é lindo isso? Nada mais livre do que ser obrigado a fazer alguma coisa, não é? Para eles, o povo precisa exercer a sua cidadania votando. Para mim, a cidadania deve ser exercida como eu acho que devo exercê-la. Como sou obrigado a ir à urna, chego à máquina de votar e anulo todas as opções. E saio de lá com a sensação de ter cumprido com o meu dever de cidadão.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Notícia boa é notícia ruim

É interessante perceber que a sociedade, de certa maneira, nunca está satisfeita com o que vê na mídia. Na rotina diária social, não é raro ouvir comentários de pessoas reclamando que os jornais só publicam notícias ruins. "Se torcer, sai sangue", dizem. Que os telejornais só mostram crimes, tragédias, acidentes, corrupção, mortes. Este tipo de comentário encontra eco na realidade, sim. Mas a preferência midiática por assuntos obscuros tem lá os seus motivos.

Não vou, neste espaço, fazer um histórico sobre a imprensa. Mas só para se ter uma idéia do que estou falando, o fotojornalismo, por exemplo, nasceu com a morte. Sim, lá nos primórdios, a sociedade tratou de enviar fotógrafos para os campos de batalha com o intuito de registrar os rostos dos que morriam em combate. Era uma prova de que o bravo soldado havia tombado. E um alívio para as famílias, que, enfim, poderiam promover seus rituais de despedida de seus entes queridos. Aos poucos, no entanto, os responsáveis pela tarefa passaram a se interessar não apenas pelo registro dos mortos, mas também pela atuação dos que ainda estavam vivos. As lentes se voltaram, então, para as cenas de guerra, o ambiente, as dificuldades no front. O texto jornalístico também sempre se ocupou da morte e das tragédias naturais e daquelas provocadas pela instável mente humana.

Uma das razões para tal predileção da imprensa está na própria natureza da sociedade. Se você já presenciou um acidente de carro numa rodovia, sabe do que estou falando. Quando isso ocorre, é comum que o trânsito fique lento nas imediações do local. Os motoristas, em vez de trafegarem normalmente, reduzem a velocidade com um único objetivo: esticar o pescoço para ver o que houve e, principalmente, para conferir se há vítimas em meio às ferragens. Ainda que as pessoas queiram distância da morte, quando ela se dá de forma violenta, passa a ganhar um interesse maior por parte do público.

Então, o que a mídia faz é simplesmente reproduzir fatos que o leitor, o ouvinte, o telespectador ou o internauta está sempre disposto a consumir. A mídia, como diz Edgar Morin, não inventou o crime, a violência, a tragédia. E ainda que muitos jornalistas achem que são deuses, eles também não inventaram a morte.

Por isso, muitas vezes tenho dificuldade para compreender o consumidor midiático. Há poucos dias, o Brasil estava mergulhado no confete, na serpentina, na batucada, no sambódromo, nas mulatas e celebridades nuas, nos desfiles das escolas de samba, nas ruas do Recife abarrotadas de frevo, maracatu e gente. Há poucos dias, o país estava sedado pelo carnaval. O noticiário nacional, embebido pela folia, abriu todos os seus espaços para o pandeiro, a cuíca e o tamborim.

Mas, incrivelmente, no meio da farra, ouvi muita gente dizer que não agüentava mais carnaval, que não suportava mais as notícias das escolas de samba, que já estava cansada de ver aquele monte de gente cantando, pulando, se beijando, se divertindo em plena felicidade. E que a imprensa não tinha mais nada de importante e sério para noticiar. É curioso, no mínimo.

Quando temos uma descontraída sequência de notícias alegres, é porque não somos sérios. Quando o noticiário mostra violência e tristeza, é porque a “mídia só gosta de mostrar tragédia”. Neste cenário sem máscaras e fantasias, cada vez mais vale a máxima jornalística de que notícia boa é notícia ruim.