É bom ser adulto, pai?
Num primeiro momento, disse apenas um “depende”. Como qualquer criança, Filipe não se dá por satisfeito com respostas ridículas como a que eu acabara de lhe dar. E voltou à carga: “É bom ou não é bom ser adulto?” Disse a ele que todas as etapas da vida são boas, que precisamos compreender todas as idades como elas devem ser compreendidas, ou seja, de maneiras diferentes, e destilei outras bobagens periféricas. “É bom ou não é bom ser adulto?” – repetiu o Filipe, já impaciente.
É bom – respondi.
Por quê? – Retrucou meu filho, olhando-me com os olhos castanhos e lindos.
É difícil de responder, filho – me desculpei. E avancei: É bom porque podemos fazer coisas que crianças não podem. Por outro lado, também é bom ser criança. Porque crianças podem fazer coisas que adultos não podem mais fazer.
Em seguida, Filipe começou a ler alguns outdoors ao longo da Avenida Ipiranga, em Porto Alegre. Era a senha de que ele, ao menos aparentemente, havia ficado satisfeito com minha resposta. Mas eu tenho a mania de martelar coisas na minha cabeça. Em geral, assuntos difíceis de encontrar respostas definitivas. Não sei, mas algo no subjetivo me atrai. Então, fiz uma retrospectiva do diálogo que tive com meu filho e voltei ao passado para responder a mim mesmo se é bom ser adulto.
Lembrei da minha infância, em meados da década de 70. E logo de cara já me vi numa encruzilhada: qual a memória mais remota da minha infância? Incrível, mas não lembro de nada antes dos cinco ou seis anos de idade! Será que isso só acontece comigo? Serei eu um cara normal? Será que minha memória está se diluindo de forma precoce?
Depois deste surto existencial, a primeira cena me veio à mente: eu brincando no pátio de casa com meu cachorro, um pastor alemão. Lembrei dos meus amigos mais próximos, como o Raul, o Marcondes, o Batista (com os três ainda mantenho contato eventual), dos jogos de futebol na calçada da Rua Felipe de Oliveira, no Bairro Petrópolis.
Continuo percorrendo os corredores do meu próprio tempo e deparo comigo um pouco maior, cruzando a Rua Eça de Queiroz com uma Caloi linda, de cor clara e pneus altos. Como era bom andar de bicicleta até ouvir o grito de que o jantar estava pronto! Às vezes eu comia no pátio de casa para ter certeza de que meus amigos ainda estariam na rua depois do jantar para continuar nossa brincadeira. Minha casa não tinha grades, apenas um murinho de um metro de altura, se tanto.
As casas não tinham grades e a gente não tinha medo. Eu também adorava uma boa corrida de carrinhos de lomba. Eu e meus amigos chegamos a ‘construir’ um carrinho de lomba que era um ônibus. Ou seja, era um carrão de lomba, com capacidade para cinco corajosos passageiros. Tínhamos problemas para fazer as curvas, é verdade, mas nada que algodão, mercúrio e Band-Aid não resolvessem.
Como era bom aquele tempo! Como eram bons aqueles dias da minha infância... Atualmente, quando faço churrasco aos domingos na casa do meu pai, que fica na Eça de Queiroz, sempre volto um pouco ao passado. E toda vez eu repito em silêncio para mim mesmo: “Essas são as ruas da minha infância”.
Vou falar novamente com o Filipe sobre se é bom ou não ser adulto. Preciso dizer a ele que é muito melhor ser criança. Por um milhão de motivos, mas principalmente porque quando somos adultos, não conseguimos nos lembrar por completo de como foi a nossa infância. Guardamos um passado retalhado, fragmentado, sob neblina.
Só depois de pensar sobre isso é que me dou conta de uma coisa: eu queria ter conseguido guardar todos aqueles dias numa caixa secreta e segura. Queria ter guardado todas as cenas – as boas e as ruins – para mostrar para o meu filho o que eu só descobri quando me tornei adulto: que eu era a pessoa mais feliz do mundo nas minhas ruas infantis. Eu era feliz como deveriam ser os milhares de pequenos seres humanos que hoje vagueiam pelas avenidas das grandes cidades sem comida, sem brinquedo, sem casa, sem amor e sem infância.