Eu sou um ouvinte de rádio. Não exatamente as músicas me interessam, mas as notícias. E dou grande importância ao noticiário esportivo. Especialmente ao futebol. Por um motivo muito simples: eu gosto de futebol. Fui repórter e editor de esportes há alguns anos. Acompanho jogos pela TV, leio jornais e revistas a respeito, acesso sites especializados diariamente e coisa e tal.
Mas confesso um constrangimento ao ouvir repórteres esportivos experientes repetindo perguntas medíocres, que remontam à década de 60. Agora mesmo, enquanto escrevo este texto, ouço um programa esportivo da Rádio Gaúcha que ostenta grande audiência. Só para situá-lo, caro leitor, no próximo domingo, dia 28 de fevereiro, o Grêmio decide o primeiro turno do dificílimo campeonato gaúcho.
O repórter da Gaúcha, então, começa sua participação no programa fazendo uma surrada, fora de moda e completamente desprovida de criatividade pergunta para um jogador do Grêmio: “Qual a importância de conquistar o título do primeiro turno do Gauchão?”
Meu Deus! Quanto tempo será que o repórter levou para elaborar essa pergunta? Além de ser uma repetição inaceitável de uma pergunta infantil, um questionamento como esse é, no mínimo, um menosprezo à inteligência do ouvinte. Pense comigo, leitor. O que responderá o jogador ao ouvir “Qual a importância de conquistar o título do primeiro turno do Gauchão?”
Será que ele responderá que não tem importância alguma conquistar o título? Ou será que ele dirá que vencer o primeiro turno é apenas mais uma taça, nada demais? Sinceramente, tenho refletido muito sobre o quanto de tempo dispenso do meu dia ouvindo perguntas inteligentes como essa. Começo a pensar, seriamente, em deixar de ouvir programas esportivos. Enquanto isso, vou ficar pensando qual a importância de um time de futebol conquistar um título, se a única razão de existir de uma equipe de futebol é levantar taças.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Imaginário e ficção na reportagem
O jornalismo literário parece caminhar sobre um fio de navalha que separa a essência do gênero – a apuração dos fatos do cotidiano e o registro mais aproximado da verdade – da literatura e do romance e sua construção artificial que, sequer, pode ser considerada uma representação da realidade. No país, a grande referência foi a Revista Realidade, que nos anos 60 e 70 tratava os textos ao melhor estilo do New Journalism de Norman Mailer, Truman Capote, Gay Talese e Tom Wolfe – embora muitos autores ressaltem que jornalismo literário nada tem a ver com o modelo.
Assim como as grandes reportagens dos ícones americanos, as reportagens da Realidade também eram marcadas pelo alto grau de observação e apuração jornalística, combinadas com fatos atuais e pitadas opinativas. A revista teve seu auge em 1968 e deixou de circular em 1976. Produziu grandes matérias que se aproximavam muito da literatura e tratavam de temas polêmicos e atuais da época, como o aborto, o feminismo, a Guerra do Vietnã. Este estilo de texto criou mitos na profissão, como José Hamilton Ribeiro e Joel Silveira.
O gênero literário na imprensa no cenário nacional encontra espaço hoje em poucas publicações impressas, como as revistas Piauí e Caros Amigos. O dilema quanto ao enquadramento das funções e limites do jornalismo literário nasceu com o Novo Jornalismo e ainda hoje se mantém: um texto que utiliza recursos ficcionais – próprios da literatura, do romance – pode ser considerado jornalismo? É desta linha tênue entre a ficção e a realidade na reportagem que este ensaio pretende colocar em discussão.
Existem requisitos básicos para que se possa enquadrar um texto no gênero jornalismo literário, segundo Vitor Necchi . Para este autor, é preciso, primeiro, esclarecer que “não se trata de jornalismo de literatura, uma vez que não se ocupa da literatura como objeto” . Em artigo, Necchi cita Matinas Suzuki Jr., autor do posfácio do livro Hiroshima:
Os especialistas exigem alguns requisitos para que uma obra possa ser classificada como jornalismo literário. Ela deve ser publicada em um jornal ou revista (a partir dos anos 80, com a diminuição crescente do espaço nos jornais e revistas, alguns autores passaram a publicar reportagens diretamente na forma de livro; no Brasil, essa foi a única maneira de o jornalismo literário sobreviver). Ela precisa estar ancorada em fatos. Sua matéria-prima é o trabalho de grande apuração: muitas entrevistas, muito bate-pé de repórter, pesquisa em arquivos, exaustiva investigação de fatos, levantamento de dados (SUZUKI JR. in HERSEY, 2002, p. 170).
Necchi lembra também que a adoção do jornalismo literário como modelo não é recorrente na imprensa brasileira, como pode revelar um olhar panorâmico sobre as práticas de reportagem efetuadas no país. “Orientações mais canônicas, em especial a que preconiza a objetividade a partir do modelo da pirâmide invertida para a construção de uma notícia, vigoram em especial desde os anos 1950”, afirma Necchi . Por outro lado, no primórdio deste século que se inicia, fala-se de maneira recorrente em jornalismo literário.
Embora este gênero se apóie firmemente nas técnicas do jornalismo, como a ancoragem em fatos e a apuração sofisticada de informações, o jornalismo literário é uma escrita que se utiliza de ferramentas da literatura. Ainda de acordo com Necchi, a partir disso, este modelo jornalístico se “propõe a instigar, seduzir, provocar sensações e despertar o interesse do leitor” .
O chamado jornalismo literário foge de olhares pré-formatados e rende textos – sejam reportagens ou perfis – que surpreendem a partir de uma pauta que rompe com visões óbvias ou hegemônicas sobre a realidade. Os autores, na hora de contar histórias não-ficcionais, principalmente nas páginas de revistas, valem-se de recursos típicos da literatura. Profunda observação, imersão na história a ser contada, fartura de detalhes e descrições, texto com traços autorais, reprodução de diálogos e uso de metáforas, digressões e fluxo de consciência – a gama de recursos é ampla para que a realidade seja expressa de maneira elaborada e sob os mais variados aspectos.
Felipe Pena vai além e diz que “o jornalista literário não ignora o que aprendeu no jornalismo diário nem joga suas narrativas no lixo” . Acrescenta o autor: “[...] os velhos e bons princípios da redação continuam extremamente importantes, como, por exemplo, a apuração rigorosa, a observação atenta, a abordagem ética e a capacidade de se expressar claramente” .
No entanto, o jornalismo literário não trabalha com a mesma lógica do hard news, ou seja, do jornalismo diário, da busca incessante pela melhor manchete e sempre pressionado pelo tempo. Esta regra é subvertida pela vertente literária. Este gênero também rompe com a tradição do lead, inventado nos Estados Unidos, e do enquadramento pelas seis perguntas básicas do texto na forma objetiva e direta: Quem/O que/Como/Onde/Quando/Por que. A escrita literária não tem uma fórmula pronta como exige o lead.
Ao contrário. Para Necchi, o jornalismo literário exige profunda observação, “imersão na história a ser contada, texto com traços autorais, reprodução de diálogos e uso de metáforas, digressões e fluxo de consciência – a gama de recursos é ampla para que a realidade seja expressa de maneira elaborada e sob os mais variados aspectos”. De tão liberto das amarras da objetividade do lead e do formato quase padrão, o jornalismo literário simplesmente desvia da impessoalidade, um dos principais pilares da estrutura da notícia.
E é aí que está o questionamento que tenho feito em minha pesquisa de doutorado. Até onde a reportagem (que trata de assuntos em conexão com a realidade) pode ir para conceder ao leitor o prazer de ler uma história real como se fosse ficção, invencionismo. Até onde o jornalismo, que vive de fatos reais, pode ser afetado com toques de fantasia?
Assim como as grandes reportagens dos ícones americanos, as reportagens da Realidade também eram marcadas pelo alto grau de observação e apuração jornalística, combinadas com fatos atuais e pitadas opinativas. A revista teve seu auge em 1968 e deixou de circular em 1976. Produziu grandes matérias que se aproximavam muito da literatura e tratavam de temas polêmicos e atuais da época, como o aborto, o feminismo, a Guerra do Vietnã. Este estilo de texto criou mitos na profissão, como José Hamilton Ribeiro e Joel Silveira.
O gênero literário na imprensa no cenário nacional encontra espaço hoje em poucas publicações impressas, como as revistas Piauí e Caros Amigos. O dilema quanto ao enquadramento das funções e limites do jornalismo literário nasceu com o Novo Jornalismo e ainda hoje se mantém: um texto que utiliza recursos ficcionais – próprios da literatura, do romance – pode ser considerado jornalismo? É desta linha tênue entre a ficção e a realidade na reportagem que este ensaio pretende colocar em discussão.
Existem requisitos básicos para que se possa enquadrar um texto no gênero jornalismo literário, segundo Vitor Necchi . Para este autor, é preciso, primeiro, esclarecer que “não se trata de jornalismo de literatura, uma vez que não se ocupa da literatura como objeto” . Em artigo, Necchi cita Matinas Suzuki Jr., autor do posfácio do livro Hiroshima:
Os especialistas exigem alguns requisitos para que uma obra possa ser classificada como jornalismo literário. Ela deve ser publicada em um jornal ou revista (a partir dos anos 80, com a diminuição crescente do espaço nos jornais e revistas, alguns autores passaram a publicar reportagens diretamente na forma de livro; no Brasil, essa foi a única maneira de o jornalismo literário sobreviver). Ela precisa estar ancorada em fatos. Sua matéria-prima é o trabalho de grande apuração: muitas entrevistas, muito bate-pé de repórter, pesquisa em arquivos, exaustiva investigação de fatos, levantamento de dados (SUZUKI JR. in HERSEY, 2002, p. 170).
Necchi lembra também que a adoção do jornalismo literário como modelo não é recorrente na imprensa brasileira, como pode revelar um olhar panorâmico sobre as práticas de reportagem efetuadas no país. “Orientações mais canônicas, em especial a que preconiza a objetividade a partir do modelo da pirâmide invertida para a construção de uma notícia, vigoram em especial desde os anos 1950”, afirma Necchi . Por outro lado, no primórdio deste século que se inicia, fala-se de maneira recorrente em jornalismo literário.
Embora este gênero se apóie firmemente nas técnicas do jornalismo, como a ancoragem em fatos e a apuração sofisticada de informações, o jornalismo literário é uma escrita que se utiliza de ferramentas da literatura. Ainda de acordo com Necchi, a partir disso, este modelo jornalístico se “propõe a instigar, seduzir, provocar sensações e despertar o interesse do leitor” .
O chamado jornalismo literário foge de olhares pré-formatados e rende textos – sejam reportagens ou perfis – que surpreendem a partir de uma pauta que rompe com visões óbvias ou hegemônicas sobre a realidade. Os autores, na hora de contar histórias não-ficcionais, principalmente nas páginas de revistas, valem-se de recursos típicos da literatura. Profunda observação, imersão na história a ser contada, fartura de detalhes e descrições, texto com traços autorais, reprodução de diálogos e uso de metáforas, digressões e fluxo de consciência – a gama de recursos é ampla para que a realidade seja expressa de maneira elaborada e sob os mais variados aspectos.
Felipe Pena vai além e diz que “o jornalista literário não ignora o que aprendeu no jornalismo diário nem joga suas narrativas no lixo” . Acrescenta o autor: “[...] os velhos e bons princípios da redação continuam extremamente importantes, como, por exemplo, a apuração rigorosa, a observação atenta, a abordagem ética e a capacidade de se expressar claramente” .
No entanto, o jornalismo literário não trabalha com a mesma lógica do hard news, ou seja, do jornalismo diário, da busca incessante pela melhor manchete e sempre pressionado pelo tempo. Esta regra é subvertida pela vertente literária. Este gênero também rompe com a tradição do lead, inventado nos Estados Unidos, e do enquadramento pelas seis perguntas básicas do texto na forma objetiva e direta: Quem/O que/Como/Onde/Quando/Por que. A escrita literária não tem uma fórmula pronta como exige o lead.
Ao contrário. Para Necchi, o jornalismo literário exige profunda observação, “imersão na história a ser contada, texto com traços autorais, reprodução de diálogos e uso de metáforas, digressões e fluxo de consciência – a gama de recursos é ampla para que a realidade seja expressa de maneira elaborada e sob os mais variados aspectos”. De tão liberto das amarras da objetividade do lead e do formato quase padrão, o jornalismo literário simplesmente desvia da impessoalidade, um dos principais pilares da estrutura da notícia.
E é aí que está o questionamento que tenho feito em minha pesquisa de doutorado. Até onde a reportagem (que trata de assuntos em conexão com a realidade) pode ir para conceder ao leitor o prazer de ler uma história real como se fosse ficção, invencionismo. Até onde o jornalismo, que vive de fatos reais, pode ser afetado com toques de fantasia?
Assinar:
Postagens (Atom)