sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Qual a importância?

Eu sou um ouvinte de rádio. Não exatamente as músicas me interessam, mas as notícias. E dou grande importância ao noticiário esportivo. Especialmente ao futebol. Por um motivo muito simples: eu gosto de futebol. Fui repórter e editor de esportes há alguns anos. Acompanho jogos pela TV, leio jornais e revistas a respeito, acesso sites especializados diariamente e coisa e tal.

Mas confesso um constrangimento ao ouvir repórteres esportivos experientes repetindo perguntas medíocres, que remontam à década de 60. Agora mesmo, enquanto escrevo este texto, ouço um programa esportivo da Rádio Gaúcha que ostenta grande audiência. Só para situá-lo, caro leitor, no próximo domingo, dia 28 de fevereiro, o Grêmio decide o primeiro turno do dificílimo campeonato gaúcho.

O repórter da Gaúcha, então, começa sua participação no programa fazendo uma surrada, fora de moda e completamente desprovida de criatividade pergunta para um jogador do Grêmio: “Qual a importância de conquistar o título do primeiro turno do Gauchão?”

Meu Deus! Quanto tempo será que o repórter levou para elaborar essa pergunta? Além de ser uma repetição inaceitável de uma pergunta infantil, um questionamento como esse é, no mínimo, um menosprezo à inteligência do ouvinte. Pense comigo, leitor. O que responderá o jogador ao ouvir “Qual a importância de conquistar o título do primeiro turno do Gauchão?”

Será que ele responderá que não tem importância alguma conquistar o título? Ou será que ele dirá que vencer o primeiro turno é apenas mais uma taça, nada demais? Sinceramente, tenho refletido muito sobre o quanto de tempo dispenso do meu dia ouvindo perguntas inteligentes como essa. Começo a pensar, seriamente, em deixar de ouvir programas esportivos. Enquanto isso, vou ficar pensando qual a importância de um time de futebol conquistar um título, se a única razão de existir de uma equipe de futebol é levantar taças.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Imaginário e ficção na reportagem

O jornalismo literário parece caminhar sobre um fio de navalha que separa a essência do gênero – a apuração dos fatos do cotidiano e o registro mais aproximado da verdade – da literatura e do romance e sua construção artificial que, sequer, pode ser considerada uma representação da realidade. No país, a grande referência foi a Revista Realidade, que nos anos 60 e 70 tratava os textos ao melhor estilo do New Journalism de Norman Mailer, Truman Capote, Gay Talese e Tom Wolfe – embora muitos autores ressaltem que jornalismo literário nada tem a ver com o modelo.

Assim como as grandes reportagens dos ícones americanos, as reportagens da Realidade também eram marcadas pelo alto grau de observação e apuração jornalística, combinadas com fatos atuais e pitadas opinativas. A revista teve seu auge em 1968 e deixou de circular em 1976. Produziu grandes matérias que se aproximavam muito da literatura e tratavam de temas polêmicos e atuais da época, como o aborto, o feminismo, a Guerra do Vietnã. Este estilo de texto criou mitos na profissão, como José Hamilton Ribeiro e Joel Silveira.

O gênero literário na imprensa no cenário nacional encontra espaço hoje em poucas publicações impressas, como as revistas Piauí e Caros Amigos. O dilema quanto ao enquadramento das funções e limites do jornalismo literário nasceu com o Novo Jornalismo e ainda hoje se mantém: um texto que utiliza recursos ficcionais – próprios da literatura, do romance – pode ser considerado jornalismo? É desta linha tênue entre a ficção e a realidade na reportagem que este ensaio pretende colocar em discussão.

Existem requisitos básicos para que se possa enquadrar um texto no gênero jornalismo literário, segundo Vitor Necchi . Para este autor, é preciso, primeiro, esclarecer que “não se trata de jornalismo de literatura, uma vez que não se ocupa da literatura como objeto” . Em artigo, Necchi cita Matinas Suzuki Jr., autor do posfácio do livro Hiroshima:

Os especialistas exigem alguns requisitos para que uma obra possa ser classificada como jornalismo literário. Ela deve ser publicada em um jornal ou revista (a partir dos anos 80, com a diminuição crescente do espaço nos jornais e revistas, alguns autores passaram a publicar reportagens diretamente na forma de livro; no Brasil, essa foi a única maneira de o jornalismo literário sobreviver). Ela precisa estar ancorada em fatos. Sua matéria-prima é o trabalho de grande apuração: muitas entrevistas, muito bate-pé de repórter, pesquisa em arquivos, exaustiva investigação de fatos, levantamento de dados (SUZUKI JR. in HERSEY, 2002, p. 170).

Necchi lembra também que a adoção do jornalismo literário como modelo não é recorrente na imprensa brasileira, como pode revelar um olhar panorâmico sobre as práticas de reportagem efetuadas no país. “Orientações mais canônicas, em especial a que preconiza a objetividade a partir do modelo da pirâmide invertida para a construção de uma notícia, vigoram em especial desde os anos 1950”, afirma Necchi . Por outro lado, no primórdio deste século que se inicia, fala-se de maneira recorrente em jornalismo literário.

Embora este gênero se apóie firmemente nas técnicas do jornalismo, como a ancoragem em fatos e a apuração sofisticada de informações, o jornalismo literário é uma escrita que se utiliza de ferramentas da literatura. Ainda de acordo com Necchi, a partir disso, este modelo jornalístico se “propõe a instigar, seduzir, provocar sensações e despertar o interesse do leitor” .

O chamado jornalismo literário foge de olhares pré-formatados e rende textos – sejam reportagens ou perfis – que surpreendem a partir de uma pauta que rompe com visões óbvias ou hegemônicas sobre a realidade. Os autores, na hora de contar histórias não-ficcionais, principalmente nas páginas de revistas, valem-se de recursos típicos da literatura. Profunda observação, imersão na história a ser contada, fartura de detalhes e descrições, texto com traços autorais, reprodução de diálogos e uso de metáforas, digressões e fluxo de consciência – a gama de recursos é ampla para que a realidade seja expressa de maneira elaborada e sob os mais variados aspectos.

Felipe Pena vai além e diz que “o jornalista literário não ignora o que aprendeu no jornalismo diário nem joga suas narrativas no lixo” . Acrescenta o autor:  “[...] os velhos e bons princípios da redação continuam extremamente importantes, como, por exemplo, a apuração rigorosa, a observação atenta, a abordagem ética e a capacidade de se expressar claramente” .

No entanto, o jornalismo literário não trabalha com a mesma lógica do hard news, ou seja, do jornalismo diário, da busca incessante pela melhor manchete e sempre pressionado pelo tempo. Esta regra é subvertida pela vertente literária. Este gênero também rompe com a tradição do lead, inventado nos Estados Unidos, e do enquadramento pelas seis perguntas básicas do texto na forma objetiva e direta: Quem/O que/Como/Onde/Quando/Por que. A escrita literária não tem uma fórmula pronta como exige o lead.

Ao contrário. Para Necchi, o jornalismo literário exige profunda observação, “imersão na história a ser contada, texto com traços autorais, reprodução de diálogos e uso de metáforas, digressões e fluxo de consciência – a gama de recursos é ampla para que a realidade seja expressa de maneira elaborada e sob os mais variados aspectos”. De tão liberto das amarras da objetividade do lead e do formato quase padrão, o jornalismo literário simplesmente desvia da impessoalidade, um dos principais pilares da estrutura da notícia.

E é aí que está o questionamento que tenho feito em minha pesquisa de doutorado. Até onde a reportagem (que trata de assuntos em conexão com a realidade) pode ir para conceder ao leitor o prazer de ler uma história real como se fosse ficção, invencionismo. Até onde o jornalismo, que vive de fatos reais, pode ser afetado com toques de fantasia?