segunda-feira, 28 de junho de 2010

Frio

Acho que faço parte da estética do frio, expressão que até onde eu sei foi cunhada por Vitor Ramil. Não gosto de sentir frio, não gosto de sofrer com o frio. Mas gosto do frio, da sensação e dos cenários que compõem as manhãs com neblina, as noites de ruas vazias e gélidas, o vento que chacoalha a copa das árvores, a fumaça que sai das chaminés.

Na rua, o frio do Rio Grande é sombrio, úmido. Parece que o tempo custa a passar. É um ambiente que quero evitar. No entanto, a minha compreensão sobre a estética do frio ultrapassa o inverno das calçadas e das esquinas cortadas pela navalha do vento. Gosto de saber que o lado de fora está assim, gelado. Mas gosto do lado de cá da janela gotejada pelo orvalho.

Quero ir para o lado de dentro. Gosto de mexer no fogo da lareira. Demora. Primeiro, corto a facão pedaços de lenha serrados milimetricamente pela Estelinha, sob o olhar vigilante da Duda, e os transformo em gravetos. Junto-os ao nó-de-pinho e a outras toras maiores. Faço canudos de papel jornal e os disponho estrategicamente em meio à arquitetura de madeira. Risco o fósforo. Em pouco tempo, o fogo ganha corpo. Sobe a labareda agarrada ao nó-de-pinho. Já está quente agora. A sala muda de cor com a temperatura. Os cachorros se aproximam e se aquecem.

Uma sopa de capelete miúdo, como a Me gosta, queijo ralado no prato fundo, pão d’água ou sovado e um bom tinto. A toca peruana e o kefie que o Chicão lembrou de me trazer de Dubai ajudam a esquentar o corpo. Mais um cálice de vinho embala a conversa sobre o dia frio, o que fizemos e o que vamos fazer no próximo final de semana. Entre uma risada, um beijo e um carinho, a conversa já vai longe.

Embora eu adore o mar e o verão, o inverno me faz bem. O frio me une a mim mesmo e aos que estão ao meu redor. O frio e sua estética criam uma espécie de cimento entre as pessoas que querem ficar perto umas das outras. Lá por agosto, poderei estar cansado da baixa temperatura, da umidade e do excesso de roupas.

Mas aí será a hora de uma outra estética, de um outro comportamento, de um novo cimento a continuar juntando as pessoas que amamos.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Com a fé não se brinca

O torcedor de futebol é um ser que, antes de tudo, precisa ter fé. Não é obrigatório que seja religioso, mas fé tem que ter. Falo do torcedor de uma forma geral. Agora, neste momento, a torcida colorada é a que mais precisa ter fé. Com Celso Roth no comando, só mesmo um milagre para o Inter conquistar a Libertadores da América. Alguém já disse que a fé move montanhas. É nisso que os colorados estão agarrados desde sábado passado, quando a direção do Inter anunciou a contratação de Roth.

Buscar Celso Roth do medíocre Vasco da Gama – que por sinal venceu de virada o Inter de Jorge Fossati neste Brasileirão – é uma prova clara de que algo estranho está ocorrendo no futebol nacional. Especialmente na casamata. Senão vejamos.

O Inter sonhou e especulou Felipão, mas nunca fez uma proposta oficial a ele. Por que? Porque nunca o quis, de fato. E não quis Felipão por vários motivos, entre eles o de que é caro demais para o padrão brasileiro e porque Scolari é gremista de carteirinha. A torcida queria Felipão mais pela mística de técnico exigente e vencedor, mas só por isso. E neste último quesito, a coisa já não é bem assim. Depois da Copa de 2002, Scolari não ganhou mais nada. Ou seja, Felipão não ergue uma taça há oito anos! Por que serviria ao Inter?

Adilson Batista foi tentado. Mas como justificar ao torcedor a contratação de um técnico caro, que traz até o roupeiro junto e que em 2006 disse que não torceria para o Inter no histórico confronto contra o Barcelona. Além de gremista, Adilson é pé-frio, porque o colorado ficou com o título de campeão mundial FIFA. Sem falar no temperamento sereno de Adilson, como mostra este vídeo. Por que serviria ao Inter?

A direção também falou com Abel Braga. Campeão da Libertadores e do Mundial com o Inter, Abel é um colorado assumido. Mas uma multa milionária teria de ser paga ao clube árabe ao qual ele está vinculado, o que inviabilizou o negócio. Mas mesmo Abel Braga, serviria? Será que apenas a mística seria suficiente para chegar ao bi da América? Que outras opções teria a direção do Inter neste momento?

Geninho, Luxemburgo, Parreira, Muricy? Os velhos e mesmos sempre de plantão? E da nova geração? Que clube, a quatro jogos de ser bicampeão da América, apostaria em um treinador emergente? Nenhum.

Celso Roth foi o que sobrou. Não ganhou nada de importante ainda, é verdade. O que não quer dizer nada. Adilson Batista também não. E quase veio a peso de ouro. O que fica evidente neste episódio é que o Brasil está carente de treinador. Não se produz técnicos no país como surgem jogadores. A fábrica de talentos só existe das quatro linhas para dentro. Na casamata, nada.

Talvez por isso, pela absoluta falta de bons treinadores, o comandante da Seleção Brasileira seja Dunga. O Inter vive hoje o que o Brasil está vivendo há algum tempo: uma crise na casamata. Mas com fé, o Brasil pode trazer o caneco da África do Sul, e o Inter conquistar seu segundo título da Libertadores da América. Pode. Mas comece a rezar desde já. Com a fé não se brinca.