sexta-feira, 14 de maio de 2010

Dunga, o coerente

Raramente eu escrevo sobre futebol no meu blog. Mas não resisti à entrevista do Dunga no anúncio dos convocados para vestir a camisa da Seleção na Copa do Mundo da África do Sul. Assisti à verborragia dunganiana duas vezes. Na primeira, não prestei muito atenção, afinal não costumo dar muita bola à Seleção. Não torço para a Seleção Brasileira. Na outra, sim, me empenhei em descobrir um pouco a cabeça do treinador do time brasileiro. Concluí que Dunga, o coerente, não quer um time com os melhores. Quer um time de jogadores obedientes.

Já ouvi e li uma porção de coisas em relação à convocação. Não pretendo ser original na minha análise, mas o que sobrou do anúncio do Dunga foi quase nada. Para começar, não sobrou time. Não digo que os jogadores sejam ruins. Não é isso. Mas havia gente muito melhor para levar. O problema é que Dunga encontrou em uma palavra o seu esteio para tudo: coerência. Em nome da coerência, o Brasil terá um time sem alguém capaz de desequilibrar uma partida de Copa do Mundo.


Dunga adorou a palavra coerência. Para ele, ser coerente é fazer as coisas que sempre disse que ia fazer. É manter uma ideia do começo ao fim. É partir de um princípio e levar a cabo uma trajetória sem arredar um milímetro. Bonito isso. O que talvez Dunga não saiba – eu tenho certeza que ele não sabe – é que ser coerente pode não ser positivo. Ao contrário. Pode ser terrivelmente maléfico. Não gosto, por exemplo, da coerência dos terroristas, dos pedófilos, dos assassinos e dos ditadores.

A vida não é algo linear. Por mais que se possa traçar um plano detalhado sobre algo, a vida é uma sucessão de imprevistos que, não raro, forçam as pessoas a mudar de atitude, de opinião, de ideia e até de convicção. Convicção existe para ser substituída. Aplicar em si mesmo o rótulo de coerente como se isso fosse extremamente positivo, como se fosse sinônimo de verdadeiro, correto e justo, me parece grave. Porque a coerência pode andar ao lado da arrogância e da insegurança. A combinação de coerência, arrogância e insegurança tem grande chance de desaguar em autoritarismo.

Dunga, o coerente, mostrou ser um homem autoritário no anúncio da convocação da Seleção para o mundial da África do Sul. Para ele, o que mais pesou na escolha dos 23 jogadores foi o comprometimento dos eleitos. Na visão do técnico, jogar na Seleção exige, acima de tudo, comprometimento. A condição de craque fica em segundo plano. Talvez porque o próprio Dunga tenha sido um atleta mediano, no máximo, mas altamente comprometido com os times que defendeu. Dunga sabia destruir. Mas não tinha um mínimo de talento para construir. Adriano, Ronaldinho Gaúcho, Neymar, Alexandre Pato e Ganço são atletas que podem desequilibrar um jogo de futebol. Mas eles não parecem ser jogadores obedientes que Dunga tanto adora. Dunga gosta de subservientes táticos. Ele não gosta da rebeldia do improviso, da genialidade. Isso porque a genialidade nunca se dobrou e jamais se vergará ao regramento dos desprovidos de talento.