terça-feira, 25 de setembro de 2007

40 anos de um mito


Em 9 de outubro de 1967, o exército boliviano colocou um ponto final na trajetória do revolucionário argentino Ernesto Che Guevara, que com Fidel Castro obteve seu maior trunfo ao derrubar Fulgencio Batista do poder em Cuba, em 1959. Mas Che não queria mudar somente Cuba. Opositor ferrenho do sistema capitalista, em geral, e dos Estados Unidos, em particular, queria mudar os rumos do planeta. Sonhava com um mundo socialista. Che morreu sem atingir o seu objetivo.

Depois de ser executado nas montanhas da Bolívia, no entanto, Che se transformou em um mito universal, um símbolo da esquerda mundial e da luta contra o capitalismo. Imortalizado por uma imagem, a famosa foto de Alberto Korda, seu mito resiste às rápidas mudanças sociais, econômicas e culturais verificadas especialmente nas últimas duas décadas, mas não está intacto. Em 40 anos, a percepção imaginária sobre ele parece estar passando por diferentes releituras. Um fenômeno próprio dos mitos, segundo Everardo Rocha, para quem o mito está sempre sendo reinterpretado, independentemente de suas versões.

Neste mundo forjado pela nova ordem mundial sob a batuta do processo de globalização em praticamente todas as esferas da vida cotidiana, a imagem de Korda não é mais vista apenas em quadros pendurados nas paredes de sindicatos de trabalhadores ou de gabinetes de partidos políticos de esquerda, que se apropriaram – alguns ainda se apropriam – do que Che representou um dia no cenário político e ideológico.

Hoje, o rosto sério de Che Guevara está estampado nos mais diferentes suportes: camisetas, jaquetas, bottons, cintas, bonés, biquínis, xícaras. No Peru, uma empresa lançou um cigarro com a marca El Che, em comemoração aos 40 anos de sua morte. Objetos com a figura do mito estão à venda nas ruas centrais das grandes cidades da América do Sul, da Europa, da Ásia e até das grandes metrópoles norte-americanas.

Estão à venda em toda a parte. Na Internet, há centenas de portais – a maioria deles produzida nos Estados Unidos – que comercializam produtos[1] com o rosto de Che. Por ironia, o símbolo da revolução socialista parece ter se transformado em um ícone de consumo do sistema capitalista que ele tanto combateu. Minha dissertação de mestrado procura indícios de como teria ocorrido este fenômeno que tirou um mito universal de seu habitat natural – neste caso, a revolução socialista – para torná-lo objeto de consumo do mundo globalizado. Não me refiro ao consumo como mercadoria, explorado pela publicidade, mas ao consumo simbólico de Che e o que ele representa para as novas gerações.

[1] Disponível em: <http://www.starstore.com/>. Acesso em: 12 jun. 2007.
* Imagem de Andy Warhol.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

A questão da técnica


Entre tantos estudos, o filósofo Heidegger, um dos principais pensadores do século XX, se ocupou em decifrar o conhecimento humano a partir do que chamava de “mundo da vida”, ou seja, o conhecimento a partir da vivência, do vivido. Em um de seus grandes trabalhos publicados, Ser e Tempo, Heidegger trata da fenomenologia, uma teoria de Husserl, de quem Heidegger era discípulo, e que, de forma resumida, dá origem ao Historicismo, uma corrente filosófica que serviu de contraponto ao positivismo, cuja única forma de se chegar à verdade seria por meio de comprovações científicas. O ponto de partida da fenomenologia é o mundo, que nos determina, é a reflexão e não o imediatismo nem a teoria e o método.

Trilhando este caminho, Heidegger busca compreender como se estrutura o mundo para nós, que aqui estamos. Para o filósofo alemão, “nós somos no mundo”. Esta afirmação encontra repouso no fato de que o mundo em que vivemos está sempre estruturado quando a ele chegamos. O mundo que nos recebe está pronto. Por isso, “somos temporalmente”, afirma o professor Francisco Rüdiger, autor de Martin Heidegger e a questão da técnica (Sulina, 2006).

Mais tarde, lá pelo começo da década de 30 do século passado, o pensamento fenomenológico de Heidegger sofre uma ruptura: ele passa a investigar a História do Ser e a relacionar homem e técnica. Em um fragmento do manuscrito de Der Anklang, que integra o preâmbulo do livro de Rüdiger, o autor lembra: "diz-se que a técnica é neutra - o homem é que a converte em uma bênção ou uma maldição. Porém, o que é o homem? O que é a técnica?", pergunta. Esses são alguns dos mistérios que estamos tentando desvendar – ou, ao menos, compreender – nas aulas de Rüdiger e sua Crítica do Pensamento Tecnológico.