sexta-feira, 6 de março de 2009

Notícia boa é notícia ruim

É interessante perceber que a sociedade, de certa maneira, nunca está satisfeita com o que vê na mídia. Na rotina diária social, não é raro ouvir comentários de pessoas reclamando que os jornais só publicam notícias ruins. "Se torcer, sai sangue", dizem. Que os telejornais só mostram crimes, tragédias, acidentes, corrupção, mortes. Este tipo de comentário encontra eco na realidade, sim. Mas a preferência midiática por assuntos obscuros tem lá os seus motivos.

Não vou, neste espaço, fazer um histórico sobre a imprensa. Mas só para se ter uma idéia do que estou falando, o fotojornalismo, por exemplo, nasceu com a morte. Sim, lá nos primórdios, a sociedade tratou de enviar fotógrafos para os campos de batalha com o intuito de registrar os rostos dos que morriam em combate. Era uma prova de que o bravo soldado havia tombado. E um alívio para as famílias, que, enfim, poderiam promover seus rituais de despedida de seus entes queridos. Aos poucos, no entanto, os responsáveis pela tarefa passaram a se interessar não apenas pelo registro dos mortos, mas também pela atuação dos que ainda estavam vivos. As lentes se voltaram, então, para as cenas de guerra, o ambiente, as dificuldades no front. O texto jornalístico também sempre se ocupou da morte e das tragédias naturais e daquelas provocadas pela instável mente humana.

Uma das razões para tal predileção da imprensa está na própria natureza da sociedade. Se você já presenciou um acidente de carro numa rodovia, sabe do que estou falando. Quando isso ocorre, é comum que o trânsito fique lento nas imediações do local. Os motoristas, em vez de trafegarem normalmente, reduzem a velocidade com um único objetivo: esticar o pescoço para ver o que houve e, principalmente, para conferir se há vítimas em meio às ferragens. Ainda que as pessoas queiram distância da morte, quando ela se dá de forma violenta, passa a ganhar um interesse maior por parte do público.

Então, o que a mídia faz é simplesmente reproduzir fatos que o leitor, o ouvinte, o telespectador ou o internauta está sempre disposto a consumir. A mídia, como diz Edgar Morin, não inventou o crime, a violência, a tragédia. E ainda que muitos jornalistas achem que são deuses, eles também não inventaram a morte.

Por isso, muitas vezes tenho dificuldade para compreender o consumidor midiático. Há poucos dias, o Brasil estava mergulhado no confete, na serpentina, na batucada, no sambódromo, nas mulatas e celebridades nuas, nos desfiles das escolas de samba, nas ruas do Recife abarrotadas de frevo, maracatu e gente. Há poucos dias, o país estava sedado pelo carnaval. O noticiário nacional, embebido pela folia, abriu todos os seus espaços para o pandeiro, a cuíca e o tamborim.

Mas, incrivelmente, no meio da farra, ouvi muita gente dizer que não agüentava mais carnaval, que não suportava mais as notícias das escolas de samba, que já estava cansada de ver aquele monte de gente cantando, pulando, se beijando, se divertindo em plena felicidade. E que a imprensa não tinha mais nada de importante e sério para noticiar. É curioso, no mínimo.

Quando temos uma descontraída sequência de notícias alegres, é porque não somos sérios. Quando o noticiário mostra violência e tristeza, é porque a “mídia só gosta de mostrar tragédia”. Neste cenário sem máscaras e fantasias, cada vez mais vale a máxima jornalística de que notícia boa é notícia ruim.

10 comentários:

Unknown disse...

Juan, ótimo texto. E é tudo muito verdade. A mídia, essa da qual falamos como se fosse um ente superior e maléfico, sempre foi feita para os seus espectadores (e cada vez mais é feita por seus espectadores). Exemplo ótimo esse do acidente de trânsito. É o que eu sempre chamei de "curiosidade mórbida". Todo mundo tem. Notícias que chocam, 'vendem'. Sabemos disso não pq analisamos de fora, mas pq também consumimos as notícias chocantes, com certeza mais do que a alegria dos outros em meio a batucadas e tamborins. É a triste realidade da natureza humana. E a mídia, como produto, se adapta ao que o consumidor pede: tragédia, sangue, violência...

Unknown disse...

E mais uma coisa: que bom que mesmo tu sendo professor/chefe/pai/marido/surfista/doutorando/dono de cachorro e esteja construindo uma casa, ainda encontres tempo para atualizar este blog! é isso aí!

JMD disse...

Maria, obrigado pelo comentário. O legal de tudo isso é que a mídia é a dona de todos os assuntos do mundo, mas, no fim das contas, a própria imprensa é que rende um debate sem fim.
Juan

JMD disse...

Tem um ditado, Maria, que diz o seguinte: se você quer que alguém faça alguma coisa, dê esta tarefa a alguém que seja muito ocupado. Ele saberá encontrar tempo para mais uma tarefa.

Mas se você passar uma atividade a quem tem poucas coisas para fazer diariamente, esta pessoa não encontrará tempo disponível. A administração do tempo é a administração da mente.

Unknown disse...

Bahjuan!!! Eu e a Maya estamos orgulhosos de ti!!!Ler um texto de alta qualidade sempre é gratificante, principalmente quando a pessoa que escreveu é o nosso mestre. Achei uma ótima reflexão da realidade dos noticiários. Apesar de tbém gostar das notícias mórbidas. Também lembro que as pessoas vivem para reclamar de tudo e se assustam quando os jornais falam de outro assunto,como a alegria do carnaval. Por isso vendem poucos jornais quando o foco são os confetes!!
Continue nesta inspiração divina para escrever, aguardaremos mais e mais!!!!!

Anônimo disse...

É verdade, Juan. E eu sou uma dessas leitoras que não gosta de ver o carnaval estampado no jornal. Se este evento é parte da nossa cultura deveria ser tratado como tal. E o pior é que nesta época as coisas se mesclam: carnaval e morte. Ainda bem que passou e só fica a morte.

Ah, concordo com a Maria em seu segundo cometário. Além de ter multifunções, consegue atualizar o blog com textos inteligentes e elegantes.

Pedro Barbosa disse...

Bah. Então pelo visto não tem jeito. Trazendo notícias boas ou ruins, é sempre 'pau na mídia'. Uma hora não presta porque só traz notícia boa, carnaval e samba. No instante seguinte é uma droga porque só mostra morte ou coisa ruim.
É no mínimo indigesta a parada...
Mas e agora, será que um meio termo contentaria esta tão instigada massa?
vai saber.
belo post.
Abração.

JMD disse...

Pedro, Ju e Camila. Obrigado pelos comentários. Mas vocês são suspeitos, muito suspeitos...
Brincadeira...
Abração
Juan

Anônimo disse...

Realmente e lamentoso ligar uma tv esperando informações do dia e encontrar só reportagem de tragédia e morte. Gente eu moro na Bahia interior, o que interessa saber de um engarrafamento lá em São Paulo.

JMD disse...

Grande, jedeval. Tem coisas que entram no funil da notícia como se tudo fosse de interesse de todos. Mas não é bem assim,né? Abração. Obrigado pelo comentário.