quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

As ruas da minha infância

Dia desses, enquanto dirigia pela cidade, o Filipe, meu filho, que tem dez anos, me fez uma pergunta difícil de responder.

É bom ser adulto, pai?

Num primeiro momento, disse apenas um “depende”. Como qualquer criança, Filipe não se dá por satisfeito com respostas ridículas como a que eu acabara de lhe dar. E voltou à carga: “É bom ou não é bom ser adulto?” Disse a ele que todas as etapas da vida são boas, que precisamos compreender todas as idades como elas devem ser compreendidas, ou seja, de maneiras diferentes, e destilei outras bobagens periféricas. “É bom ou não é bom ser adulto?” – repetiu o Filipe, já impaciente.

É bom – respondi.
Por quê? – Retrucou meu filho, olhando-me com os olhos castanhos e lindos.
É difícil de responder, filho – me desculpei. E avancei: É bom porque podemos fazer coisas que crianças não podem. Por outro lado, também é bom ser criança. Porque crianças podem fazer coisas que adultos não podem mais fazer.

Em seguida, Filipe começou a ler alguns outdoors ao longo da Avenida Ipiranga, em Porto Alegre. Era a senha de que ele, ao menos aparentemente, havia ficado satisfeito com minha resposta. Mas eu tenho a mania de martelar coisas na minha cabeça. Em geral, assuntos difíceis de encontrar respostas definitivas. Não sei, mas algo no subjetivo me atrai. Então, fiz uma retrospectiva do diálogo que tive com meu filho e voltei ao passado para responder a mim mesmo se é bom ser adulto.

Lembrei da minha infância, em meados da década de 70. E logo de cara já me vi numa encruzilhada: qual a memória mais remota da minha infância? Incrível, mas não lembro de nada antes dos cinco ou seis anos de idade! Será que isso só acontece comigo? Serei eu um cara normal? Será que minha memória está se diluindo de forma precoce?

Depois deste surto existencial, a primeira cena me veio à mente: eu brincando no pátio de casa com meu cachorro, um pastor alemão. Lembrei dos meus amigos mais próximos, como o Raul, o Marcondes, o Batista (com os três ainda mantenho contato eventual), dos jogos de futebol na calçada da Rua Felipe de Oliveira, no Bairro Petrópolis.

Continuo percorrendo os corredores do meu próprio tempo e deparo comigo um pouco maior, cruzando a Rua Eça de Queiroz com uma Caloi linda, de cor clara e pneus altos. Como era bom andar de bicicleta até ouvir o grito de que o jantar estava pronto! Às vezes eu comia no pátio de casa para ter certeza de que meus amigos ainda estariam na rua depois do jantar para continuar nossa brincadeira. Minha casa não tinha grades, apenas um murinho de um metro de altura, se tanto.

As casas não tinham grades e a gente não tinha medo. Eu também adorava uma boa corrida de carrinhos de lomba. Eu e meus amigos chegamos a ‘construir’ um carrinho de lomba que era um ônibus. Ou seja, era um carrão de lomba, com capacidade para cinco corajosos passageiros. Tínhamos problemas para fazer as curvas, é verdade, mas nada que algodão, mercúrio e Band-Aid não resolvessem.

Como era bom aquele tempo! Como eram bons aqueles dias da minha infância... Atualmente, quando faço churrasco aos domingos na casa do meu pai, que fica na Eça de Queiroz, sempre volto um pouco ao passado. E toda vez eu repito em silêncio para mim mesmo: “Essas são as ruas da minha infância”.

Vou falar novamente com o Filipe sobre se é bom ou não ser adulto. Preciso dizer a ele que é muito melhor ser criança. Por um milhão de motivos, mas principalmente porque quando somos adultos, não conseguimos nos lembrar por completo de como foi a nossa infância. Guardamos um passado retalhado, fragmentado, sob neblina.

Só depois de pensar sobre isso é que me dou conta de uma coisa: eu queria ter conseguido guardar todos aqueles dias numa caixa secreta e segura. Queria ter guardado todas as cenas – as boas e as ruins – para mostrar para o meu filho o que eu só descobri quando me tornei adulto: que eu era a pessoa mais feliz do mundo nas minhas ruas infantis. Eu era feliz como deveriam ser os milhares de pequenos seres humanos que hoje vagueiam pelas avenidas das grandes cidades sem comida, sem brinquedo, sem casa, sem amor e sem infância.

8 comentários:

Anônimo disse...

É comum ver textos nostálgicos por aí. Mas tu conseguiu tocar em um ponto importante das lembranças antigas: como as guardamos? Apesar da minha infância estar em um passado recente, minha memória não guarda como eu gostaria os acontecimentos mais importantes. Mas é bom que os detalhes sempre estão presentes cada vez que passamos nos corredores e ruas da nossa infância, como tu definiu. Enfim, esse texto também me fez refletir sobre a pergunta do Filipe. E acho que não quero ser adulta.

Abraços, Juan.

JMD disse...

Querida Ju. Obrigado mais uma vez pelo comentário. Opiniões como esta me incentiva a continuar mantendo o blog de pé.

O tema desta crônica me preocupa de uma maneira mais ampla até: como anda a nossa memória. Com tanta parafernália tecnológica pra guardar tudo, estamos perdendo a capacidade de exercitar a memória do nosso cotidiano.
Abç
Juan

Gabi disse...

Ontem conversávamos lá em casa e meus pais me falaram de maneiras opostas. Meu pai, se lembra de forma extremamente nítida da infância. Minha mãe em contraponto não lembra de praticamente nada. Tenho medo de perder as lembranças da infância feliz que tive. Assim como também tenho medo de ser adulta, e sinto que isso vai se agravando a cada dia que passa e que me obriga a crescer nem que seja um pouquinho.

Belíssimo texto!
E parabéns também pela performance no sábado passado como paraninfo do pessoal da Unisinos. De uma forma especial aquela cerimonia me emocionou bastante.

JMD disse...

Oi, Gabi.Pô, legal receber teu comentário. Espero ter ganho uma nova leitora.
Quanto à formatura, acho que correu tudo bem. Foi legal.
Fica bem e boas férias.
Juan

Pedro Barbosa disse...

Fala Juan, muito bom o texto.
A memória é uma coisa estranha. Como dizem por aí, temos uma "memória seletiva". Mas é uma pena que coisas que aconteceram quando éramos crianças e que foram importantes para chegarmos ao que somos acabam sendo esquecidas.
E fazer um exercício pra rememorar as lembranças do passado é sempre um prazer. Lembro muitas coisas da infância, mas não sei se consigo ir antes dos 4, 5 anos... Estranho né?
Mas ao ler o texto, não tem como não pensar: Como era bom aquele tempo né? quando éramos crianças e brincavamos na frente de casa, sem grades ou guardas cuidando de nossa segurança. Outros tempos.
Xi. Vo para por aqui. Acho que to ficando adulto já...

Boas férias Juan. Aproveita a praia do Rosa. E se der um tempinho visita la meu blog e v o q acha dos contos. Abração..

Anônimo disse...

caro juan!
pensei e repensei,no que teria dito.gostei da sua resposta para o pequeno filipe.sabe depende muito de como pensamos realmente.
crianças nos fazem muitas perguntas,mas poucos sabem responde-las;sempre fica aquele gosto de que poderíamos ter falado algo mais.uns lembram mais, outros menos.tenho filhos que se lembram de quase tudo e um que pouco se lembra rs.mas que é bom nos lembrar de nossa infância e, perceber que o tempo passou,mas que continuamos a ser aquela criança feliz e que continuamos com nossos sonhos atraves de nossos filhos ,é mais que gratificante é uma dádiva.DEUS te ilumine sempre,para que sempre possamos ter coisas agradáveis para lermos.
bjão

Unknown disse...

Lembranças fragmentadas. Maravilha!! Parabéns, tu conseguistes transformar pensamentos em escritas que definem bem as lembranças da infância. Claro que tbém lembrei dos tempos de rua, da bola, dos amigos, da falta de grandes compromissos. Ah! como era bom!!!
Obrigada por esta reflexão!

Anônimo disse...

Bah, lembranças da infância: de quando eu tocava a campainha e corria (dava a volta na quadra pra ter certeza de que o dono da casa não ia nos pegar...), ou quando pedia dinheiro pro meu vô pra comprar rosas na floricultura da esquina pra minha vó, que sempre tinha a mesma reação. E mais, na velha Mariluz, quando só havia uma quadra de casas e, depois da chuva, quando alagava o fim da rua, a gente brincava de pescaria torcendo pra de noite ir no Parque Tupy (!!). São, sim, lembranças dos meus 5, 6 anos, que sempre voltam quando passo por estes lugares e que tu trouxe a tona com teu texto.
Com certeza, é mto melhor ser criança, mas outra coisa é mais certa ainda. Como temos que ser adultos (imposição do passar dos anos, né!), pra sermos felizes podemos optar por manter viva dentro de nós aquela criança, que olha o mundo com encantamento e curiosidade. Essa, sim, me parece a plena felicidade: a fusão de dois conceitos, de dois mundos...

Beijão pra ti, boas férias e parabéns pelo "paraninfato"!

Poli