domingo, 1 de fevereiro de 2009

Férias

Olá, queridos leitores.
Vocês perceberam que o blog não tem sido atualizado nos últimos dias. Por um motivo nobre: férias. Estarei de volta a partir de 18 de fevereiro.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

As ruas da minha infância

Dia desses, enquanto dirigia pela cidade, o Filipe, meu filho, que tem dez anos, me fez uma pergunta difícil de responder.

É bom ser adulto, pai?

Num primeiro momento, disse apenas um “depende”. Como qualquer criança, Filipe não se dá por satisfeito com respostas ridículas como a que eu acabara de lhe dar. E voltou à carga: “É bom ou não é bom ser adulto?” Disse a ele que todas as etapas da vida são boas, que precisamos compreender todas as idades como elas devem ser compreendidas, ou seja, de maneiras diferentes, e destilei outras bobagens periféricas. “É bom ou não é bom ser adulto?” – repetiu o Filipe, já impaciente.

É bom – respondi.
Por quê? – Retrucou meu filho, olhando-me com os olhos castanhos e lindos.
É difícil de responder, filho – me desculpei. E avancei: É bom porque podemos fazer coisas que crianças não podem. Por outro lado, também é bom ser criança. Porque crianças podem fazer coisas que adultos não podem mais fazer.

Em seguida, Filipe começou a ler alguns outdoors ao longo da Avenida Ipiranga, em Porto Alegre. Era a senha de que ele, ao menos aparentemente, havia ficado satisfeito com minha resposta. Mas eu tenho a mania de martelar coisas na minha cabeça. Em geral, assuntos difíceis de encontrar respostas definitivas. Não sei, mas algo no subjetivo me atrai. Então, fiz uma retrospectiva do diálogo que tive com meu filho e voltei ao passado para responder a mim mesmo se é bom ser adulto.

Lembrei da minha infância, em meados da década de 70. E logo de cara já me vi numa encruzilhada: qual a memória mais remota da minha infância? Incrível, mas não lembro de nada antes dos cinco ou seis anos de idade! Será que isso só acontece comigo? Serei eu um cara normal? Será que minha memória está se diluindo de forma precoce?

Depois deste surto existencial, a primeira cena me veio à mente: eu brincando no pátio de casa com meu cachorro, um pastor alemão. Lembrei dos meus amigos mais próximos, como o Raul, o Marcondes, o Batista (com os três ainda mantenho contato eventual), dos jogos de futebol na calçada da Rua Felipe de Oliveira, no Bairro Petrópolis.

Continuo percorrendo os corredores do meu próprio tempo e deparo comigo um pouco maior, cruzando a Rua Eça de Queiroz com uma Caloi linda, de cor clara e pneus altos. Como era bom andar de bicicleta até ouvir o grito de que o jantar estava pronto! Às vezes eu comia no pátio de casa para ter certeza de que meus amigos ainda estariam na rua depois do jantar para continuar nossa brincadeira. Minha casa não tinha grades, apenas um murinho de um metro de altura, se tanto.

As casas não tinham grades e a gente não tinha medo. Eu também adorava uma boa corrida de carrinhos de lomba. Eu e meus amigos chegamos a ‘construir’ um carrinho de lomba que era um ônibus. Ou seja, era um carrão de lomba, com capacidade para cinco corajosos passageiros. Tínhamos problemas para fazer as curvas, é verdade, mas nada que algodão, mercúrio e Band-Aid não resolvessem.

Como era bom aquele tempo! Como eram bons aqueles dias da minha infância... Atualmente, quando faço churrasco aos domingos na casa do meu pai, que fica na Eça de Queiroz, sempre volto um pouco ao passado. E toda vez eu repito em silêncio para mim mesmo: “Essas são as ruas da minha infância”.

Vou falar novamente com o Filipe sobre se é bom ou não ser adulto. Preciso dizer a ele que é muito melhor ser criança. Por um milhão de motivos, mas principalmente porque quando somos adultos, não conseguimos nos lembrar por completo de como foi a nossa infância. Guardamos um passado retalhado, fragmentado, sob neblina.

Só depois de pensar sobre isso é que me dou conta de uma coisa: eu queria ter conseguido guardar todos aqueles dias numa caixa secreta e segura. Queria ter guardado todas as cenas – as boas e as ruins – para mostrar para o meu filho o que eu só descobri quando me tornei adulto: que eu era a pessoa mais feliz do mundo nas minhas ruas infantis. Eu era feliz como deveriam ser os milhares de pequenos seres humanos que hoje vagueiam pelas avenidas das grandes cidades sem comida, sem brinquedo, sem casa, sem amor e sem infância.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

As mulheres, o ciúme e o futebol

Gosto de ir ao supermercado. Quase sempre encontro alguém que não vejo há algum tempo. Dia desses topei com um amigo da faculdade de Jornalismo, o Renato, em um daqueles corredores gelados das comidas prontas. Lembrei da paixão do meu amigo pelo Grêmio e perguntei o quanto ele estava ansioso pelo retorno do time à Libertadores deste ano, onde ele iria assistir aos jogos da equipe e coisa e tal. Renato, que estava sorridente, ficou sério de repente.

Não entendi aquela reação e perguntei o que havia acontecido. Com jeito de conformado, me disse que não iria assistir aos jogos pela televisão. Não assistiria a nenhum jogo este ano. Logo imaginei que ele não tivesse TV a cabo. Mas rapidamente me veio à cabeça a imagem de torcedores assistindo a jogos que só passam pelo cabo nos bares, quando a galera une o útil ao agradável: futebol, cerveja, petiscos e os amigos em volta de uma mesa. Mas ele foi seco, direto. Não iria assistir às partidas porque a mulher dele não queria.

– Como assim? – perguntei.
– Você sabe, as mulheres não gostam de futebol – disse ele. – Elas acreditam que os homens as desprezam quando sentam diante da televisão....

Resolvi trocar de assunto e, em pouco tempo, nos despedimos. Fiquei pensando na dor do meu amigo de faculdade. Pensei como uma mulher pode ser assim, tão perversa. Como ela pode privar meu amigo de assistir a uma partida de futebol na TV que dura, tão somente, noventa minutos? Na volta para casa, enquanto dirigia, refleti sobre o assunto. Por que o futebol incomoda tanto as mulheres? Não todas, claro. Conheço várias que adoram uma partida de futebol. A Me, por exemplo, gosta e entende de futebol. Nos finais de semana, assistimos a jogos na TV e vamos ao Beira-Rio. Volta e meia, em casa ou em qualquer lugar, conversamos sobre o mundo da bola, as contratações do Inter, a situação do Santos, o humor do Muricy e coisa e tal. Aliás, conheço mulheres que jogariam melhor que o gordo do Ronaldo Fenômeno, contratado pelo Corinthians para se tornar, em fim de carreira, a alegria dos zagueiros brasileiros. Mas muitas delas, de fato, não são atraídas pelo futebol. Mais que isso: elas têm ojeriza a futebol....

Depois de muito pensar, percebi que não existe preconceito das mulheres em relação ao futebol, o esporte. Isso não existe. Tanto que em época de Copa do Mundo as minhas colegas de trabalho são as primeiras a organizarem pipocas e salgadinhos para que o pessoal assista aos jogos da Seleção, quando esses ocorrem em horário de expediente por causa do fuso horário e talicoisa. Portanto, as mulheres não odeiam o futebol. O que elas sentem é ciúme.

As mulheres nutrem um ciúme mortal pelo futebol. Talvez porque as mulheres, de uma maneira geral, querem a atenção só para elas. Exclusivamente para elas. As mulheres só admitem dividir o seu amado com os filhos. E olhe lá! Às vezes, nem isso. Dividir o namorado, o marido ou o amante com bichos de estimação, raramente. Com os amigos, uma vez na vida e outra na morte. De preferência, na morte. Mas elas não suportam compartilhar os homens com o futebol. Isso, nunca!

Esse sentimento feminino é ainda mais potencializado quando o vivente tem assinatura de TV a cabo. Sim, porque a TV aberta transmite futebol apenas duas vezes por semana, às quartas-feiras à noite e aos domingos à tarde, para atrapalhar aquela maravilha de programa que é o Domingão do Faustão. Quem tem canais a cabo e gosta de futebol vive no paraíso. É futebol todos os dias e em qualquer horário. Campeonato da Inglaterra, da Alemanha, da França, da Itália, da Espanha, da Ucrânia e da Malásia. Tem os campeonatos estaduais do Brasil, o Paulistão, o Cariocão, o Gauchão, tudo no ÃO. A mulher que vive com alguém que gosta de futebol e tem TV a cabo corre sério risco de pedir divórcio em junho, no meio da temporada, antes de o time do marido perder jogadores na janela de agosto para o milionário futebol árabe.

Alguns especialistas dizem que o ciúme – este sentimento que já destruiu milhões de relacionamentos ao redor do globo – pode ser apenas insegurança. Um medo de perder o amor a que tanto se dedica. As mulheres hão de dizer que se elas não gostam de futebol, os homens empatam esse jogo porque odeiam novelas. Concordo, em parte. Um outro amigo meu só sai de casa à noite depois da novela das 8. Que já é novela das 9 há muito tempo. Mas até onde eu consigo perceber, os homens não exercem esse ciúme abusivo em relação à novela, como as mulheres praticam em relação ao futebol. E olha que a TV aberta deve passar umas 48 novelas por dia durante seis dias por semana...

Não saberia dizer se este pequeno entrave conjugal em que meu amigo de faculdade está metido tem solução imediata. Mas preciso dizer que o futebol e a novela são instituições sociais vivas, que fazem parte do imaginário social enaltecidos pela mídia. O colunista do jornal Zero Hora e meu querido amigo David Coimbra, por exemplo, diz que o futebol é uma representação da sociedade. Pode ser um exagero, mas visto de muitos pontos de vista, representa mesmo. No estádio ou no gramado estão presentes as disputas de poder, as tensões, a vitória e a derrota. A novela também exerce essa representação com histórias que envolvem a ganância, a traição, as paixões, o mocinho e o vilão. Vivemos tudo isso no nosso cotidiano e quase não nos damos conta. A sociedade se vê, diariamente, nas paixões do futebol e nas tramas das novelas. E isso não é bom nem ruim. É apenas uma pequena parte do nosso enredo social.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O Brasil não muda

O que está ruim sempre pode piorar. O ditado é tão velho quanto sábio. Neste caso, estou me referindo às novas regras da língua portuguesa, o tal Acordo Ortográfico, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro deste novo ano. Estabelecido em 1990 para padronizar a escrita em países que falam português (Brasil, Portugal, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor Leste), agora professores, alunos, colégios, universidades e empresas jornalísticas tratam de se adequar ao novo modo de escrever.

Mesmo que no Brasil as mudanças não cheguem a 1% das palavras utilizadas pelos nativos destes trópicos, não vai ser nada fácil para quem já sabe escrever reaprender os novos caminhos do hífen, por exemplo. Assim, o prefeito recém-eleito está aliviado porque permanecerá como está, mas as meninas que gostam de usar minissaia serão obrigadas a retirar o antiquado hífen e duplicar o “s”. E tem mais.

No caos anual dos aeroportos brasileiros, agora o passageiro não enfrenta apenas atrasos. O acento circunflexo do voo também se perdeu. E não me perguntem de quem foi esta idéia (quero dizer, ideia) de tirar o acento agudo dos ditongos abertos éi e ói das palavras paroxítonas.

Não sou contra mudanças. Elas não me assustam. Mas confesso que não vejo lá muita importância nesta unificação do português. Queremos unificar a escrita de uma língua cuja forma de falar seguirá a mesma em cada um dos países envolvidos. Será que os narradores brasileiros de futebol passarão a chamar a bola de “esférica”, como gritam os locutores de Portugal? Não, eles não farão isso. Por que, então, precisamos escrever como Portugal – e vice-versa – se não vamos falar do mesmo jeito?

Além disso, coisas que deveriam ser modificadas na escrita da nossa língua permanecerão da mesma maneira. O uso da crase é um exemplo disso. Alguém sabe me dizer qual é a utilidade da crase que tanto atormenta estudantes de todos os níveis Brasil afora? E o que dizer dos porquês? Tem o separado com acento, separado sem acento, junto com acento e junto sem acento! Cristo, isso é um preciosismo inexplicável...

Talvez seja por isso que o Brasil me parece, por vezes, um lugar desanimador. É um país que muda pouco quando deveria mudar tudo, como nas verbas astronômicas dedicadas aos nobres gabinetes políticos de Brasília e arredores ou nos altos impostos cobrados de cada um dos brasileiros anualmente. Impostos, aliás, que não voltam à sociedade em serviços públicos qualificados, é bom que se diga. O Brasil muda onde não precisa. E não muda onde é fundamental. Enfim, o Brasil não muda.

** Acesse www.portal3.com.br, site produzido por alunos de Jornalismo da Unisinos, para ler o Guia Prático sobre as mudanças na língua portuguesa.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Dona Tita, uma leitora

Quem vive da escrita depende, fundamentalmente, de leitores. Não há texto sem leitor. Desde 1991, quando comecei a escrever profissionalmente no jornal NH, em Novo Hamburgo, ainda como estudante de Jornalismo, compreendi a importância do leitor. É ele, e ninguém mais, quem escolhe o que quer ler. É uma opção individual, solitária, mas, ao mesmo tempo, definitiva para quem escreve.

Cada vez que coloco um texto para publicação, fico pensando se os leitores irão gostar do que escrevi ou se compreenderão o que quis, de fato, dizer. Nunca tenho a pretensão de achar que o leitor irá concordar com o que escrevo. Depois de lido, o texto não é mais meu. É de quem lê, que faz o que bem entender com o que escrevi. O leitor forma o seu próprio pensamento sobre a minha opinião.

A internet potencializou a força do leitor, que agora não apenas tem ainda mais autonomia para ler o que quer como o faz do jeito que quiser. Mais que isso. A internet proporcionou uma há até pouco tempo inimaginável aproximação entre leitores e escritores ou jornalistas. Há alguns meses, por exemplo, recebi um e-mail de um artista plástico brasileiro que vive na Itália e que, sei lá como, acabou lendo este blog. Eu nunca conversei com este artista. Nunca tinha ouvido falar dele. E talvez ele também nunca tenha ouvido falar de mim. Este é o mistério da internet. Encontramos temas, coisas e pessoas que antes não conseguiríamos não fosse a magia desta rede mundial de comunicação.

Há poucos dias, ganhei uma nova leitora: dona Tita. Ela mora em Taubaté, interior de São Paulo. Fiquei sabendo que ela tem lido os meus textos. Ainda não se animou a escrever comentários sobre o que lê neste espaço. Talvez esteja preocupada com o seu próprio texto, com algum eventual erro de pontuação ou coisas assim. Não se preocupe com isso, dona Tita. Escreva o seu comentário sempre que achar que deva fazer isso. Dê a sua opinião sobre o que a sra. lê aqui. O que importa, para quem escreve, é que, de alguma forma, o texto gere sensações no leitor. É isso o que vale, dona Tita. Obrigado por acessar o blog.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Máquina de escrever. Máquina do tempo

Levei um susto ao abrir a página 48 de Zero Hora na sexta-feira passada. Era uma matéria policial. Sempre leio esse noticiário, até porque durante muito tempo fui repórter de Polícia daquele jornal. A minha surpresa, no entanto, não se deu pelo texto ou pelo fato noticiado em si. Mas a foto, com crédito de Daniel Marenco. A foto é de uma máquina de escrever sendo utilizada pelo escrivão de polícia da delegacia de General Câmara. Uma máquina de escrever! Santo Cristo, há quanto tempo eu não via uma máquina de escrever!

Achei que os novos tempos, chamados de pós-moderno por muitos teóricos ou de modernidade líquida por Zygmunt Bauman, tivessem atropelado tudo de roldão. Mas não. O liquidificador da globalização, que mistura hábitos e costumes e desmancha tradições e culturas, parece que se esqueceu da máquina de escrever por algum motivo. Não sei se ainda existem outros exemplares como este da delegacia de General Câmara, mas não devem haver muitos outros por aí. Ainda mais assim, funcionando. O meu espanto se dá, em grande parte, porque nunca usei uma máquina de escrever. Digo, de maneira profissional. Claro, quando era criança, brincava com o equipamento do meu pai.

Sabem qual era a utilidade que eu dava para a máquina de escrever Olivetti do meu pai? Deus, lembro como se fosse hoje! Eu escrevia a escalação dos times de futebol da época.
Então, recortava cuidadosamente os nomes e os colava nos meus botões. Sim, pode não parecer, mas eu era um exímio jogador de botão. Nos dias pós-modernos chamam este esporte de “Futebol de Mesa”. Até hoje tenho os meus times de botão, que não são mais exatamente meus, mas do Filipe, que já começa a virar craque.

Mas eu falava de máquinas de escrever. Na adolescência, talvez, tenha utilizado tal ferramenta para algum trabalho escolar, não lembro. Quando comecei a estudar jornalismo, lá por 1990, na Unisinos, já tinha computador. Um ano depois, entrei para a redação do NH, em Novo Hamburgo/RS, claro. O jornal, que tem sido um pioneiro em muitos aspectos do jornalismo gaúcho, foi também o primeiro a ter a redação informatizada. Ou seja, eu já comecei minha vida profissional com teclado e tela para escrever.

Fico imaginando como seria fazer um jornal diário com máquina de escrever. Jornalistas mais antigos que eu dizem que eram bons aqueles tempos em que no final de cada dia as latas de lixo das redações ficavam abarrotadas de papel, tantas eram as vezes que os profissionais erravam o texto e tinham de começar tudo outra vez em uma lauda novinha. Eu não resistiria. Para concluir este artigo, errei, apaguei tudo e comecei de novo umas 50 vezes. Por excesso de gasto com papel, eu não resistiria em nenhuma redação daqueles bons tempos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Juro que eu me esforço

O verão é uma estação estranha para mim. Não que eu não goste de sol, mar, piscina, bebida gelada, surfe e pernas para o ar. Adoro. Aliás, até já morei na Praia do Rosa. Só que aqui, no extremo sul do país, o verão é uma época pitoresca e, em muitos casos, grotesca até. Estou me referindo ao clima que toma conta das cidades e principalmente das pessoas.

Porto Alegre, no verão, é uma capital civilizada, apesar do calor à la Senegal. Diminui o fluxo de carros, as filas são menores, há lugares sobrando nos restaurantes, bares e supermercados, as pessoas andam sem pressa e a chance de ser atropelado em algum corredor de shopping é quase zero. Por isso, a cidade melhora. É até paradoxal perceber que a cidade fica melhor quando grande parte das pessoas não está nela. Adoro Porto Alegre com pouca gente. Como é bom Porto Alegre quase sem habitantes. Sim, porque esses habitantes não estão aqui no verão. Eles vão para o litoral, especialmente. E, assim, transferem o inferno demográfico da capital para as praias.

Eu, que não entro no mar do Rio Grande do Sul há pelo menos duas décadas, sou daqueles poucos que na segunda-feira dizem, quase que com vergonha e constrangimento, que não fui à praia no final de semana. Quando digo isso, sou olhado com desconfiança. É que nesta época do ano, em Porto Alegre, é feio dizer que não fomos à praia no "findi". O chique, o bacana, é chegar na segunda-feira com cara de quem foi pra praia. Rosto avermelhado e corpo estressado com o tumulto, a ventania, a sujeira e os engarrafamentos. Chega a ser grotesco esta modinha provinciana de que temos de ir ao litoral nos finais de semana.

E mais grotesco ainda são as colunas sociais dos jornais gaúchos. Quando eu acho que vou me livrar dessas páginas no verão, pronto, lá estão elas contando onde anda aquela gente toda. Cristo, é de um provincianismo sem precedentes. Morro de rir com as legendas das fotos: “fulana de tal aproveita o sol em Bikíni, Punta del Este”. “Fulano de tal recebe os amigos em sua linda cobertura, em Punta”. “Fulaninha e fulaninho, lindos como sempre, curtem o calor em Atlântida”. Eu sei que tem muita gente que adora as páginas “sociais” dos jornais, até pela curiosidade de ver se alguém que a gente conhece aparece por ali. Compreendo. Mas eu, que entre outras coisas, me preocupo em ser um jornalista crítico do trabalho da mídia, quase não agüento. Eu me esforço, juro. Mas quase não agüento.

* Crônica publicada em http://www.gramadosite.com/ em 21/11/2007.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A década mais importante de nosso tempo

Michel Maffesoli, que abrirá o seminário 1968: Revoltas e Pós-modernidade, no próximo dia 14, na Unisinos, é um sociólogo atento. Não que outros sociólogos de renome mundial não o sejam, como Edgar Morin, de quem também sou um leitor compulsivo, e outros tantos que poderia citar aqui. Mas o que me atrai em Maffesoli é que ele percorre um caminho, digamos, marginal à visão economicista do dado social.

Não que o professor de Sociologia da Sorbonne, Paris V não se importe com isso. No entanto, não trata das questões econômicas da sociedade como se fossem determinantes e únicas. Teórico da Comunicação, ele parte de uma espécie de cesura entre a sociologia positivista, para a qual cada coisa é apenas um sintoma de uma outra coisa, e a Sociologia Compreensiva, “que descreve o vivido naquilo que é, contentando-se, assim, em discernir as visadas dos diferentes atores envolvidos”.

Em outras palavras, o que este autor propõe é que a Sociologia Compreensiva seja o que ele costuma chamar de a “sociologia do lado de dentro”. “O pensador”, afirma Maffesoli, “não se deve abstrair; é que ele faz parte daquilo que descreve e, situado no plano interno, é capaz de manifestar uma certa visão de dentro, uma in-tuição”. Na Sociologia Compreensiva, Maffesoli utiliza o formismo como metodologia, ou seja, a prática também utilizada por G. Simmel que estuda as formas da vida social. Maffesoli defende este recurso metodológico especialmente quando se pretende dar conta da força de estruturação da imagem de uma socialidade.

Em O conhecimento comum: Compêndio da sociologia compreensiva, ele pergunta o que é pertinente a um sociólogo se não “saber dar conta da riqueza do dado social, em perpétua ebulição”. Em vez de reduzir a questão ao que chama de “menor denominador comum”, Maffesoli prefere “compreender, em sentido estrito, estes entrecruzamentos de paixões e razões, de sentimentos e cálculos, de devaneios e ações que se chama sociedade”. Trata-se, portanto, de uma metodologia baseada na vida cotidiana, buscar apresentar as formas sociais como elas são. E para isso, é bom que se diga, não há um modelo pré-definido.


Cada forma tem a sua especificidade. Como o próprio nome desta teoria nos indica, a sociologia compreensiva está mais interessada em compreender do que explicar. Compreender o social é mostrá-lo como ele se apresenta e não como gostaríamos que fosse. É o fluxo natural de um rio que, uma vez desviado, transformará também sua forma. Por isso, a sociologia compreensiva, a partir do conhecimento comum, evita desviar os leitos dos rios, não estabelece um dever-ser ao objeto social justamente para não mudar seu curso. Ao refletir sobre o papel da comunicação nas sociedades atuais, onde “tudo é permeável”, o autor encontra no termo tribalismo uma forma de compreender essas sociedades.


Com Michel Maffesoli na Unisinos, talvez possamos compreender um pouco melhor a ebulição mundial de 1968, proposta por tribos que tentaram colocar na agenda mundial da época uma pauta que incluísse a paz, o amor e a liberdade. O anseio daquelas tribos não se confirmou na prática, como se viu. O mundo, sabemos, sempre entendeu muito pouco sobre paz, amor e liberdade. No entanto, o planeta nunca mais foi o mesmo depois de 68. Por certo, Maffesoli não tem todas as respostas. Mas poderá desvendar alguns dos mistérios da década mais importante de nosso tempo.



Foto: moutinho.planetaclix.pt/Copy_of_Andy_Warhol_r...

Indicação de leitura: MAFFESOLI, Michel. O conhecimento comum: Compêndio da sociologia compreensiva. São Paulo: Brasiliense, 1985.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Eles nunca serão jornalistas

A discussão sobre a obrigatoriedade do diploma para a prática do bom jornalismo é patética. Por muitas razões. Primeiro, porque começa onde quase tudo começa neste mundo estranho em que vivemos: no dinheiro. Empresas de comunicação querem se livrar de uma categoria organizada e cujas regras estão regulamentadas. Isso vai facilitar muito a tarefa de jornais, revistas e emissoras de TV, especialmente estes veículos tradicionais, na hora de definir a remuneração da turma da redação. Não tenho nenhuma dúvida de que irão oferecer salários piores do que os atuais. Se com diploma a grana é curta, sem ele...

Mas a questão do dinheiro, ainda que importante, não chega a ser a principal. Pelo menos para mim. É inevitável que um jornalista não formado, em sua grande maioria, irá oferecer um trabalho precário ao leitor, ao telespectador. Por uma razão muito simples: quem não tem diploma, quem não passou pela formação intelectual que todos os profissionais recebem quando cursam – e concluem – um curso universitário, não tem condições de compreender o mundo a partir da ótica do jornalista.

Os defensores da desregulamentação da profissão, os defensores do fim do diploma são, em primeiro lugar, defensores da preguiça e da malandragem. Não tiveram a fibra nem a garra do estudante de Jornalismo para chegar lá. Eles querem o atalho, querem o caminho mais curto, querem a vida mansa dos que furam a fila para levar vantagem sobre os demais. Querem chegar primeiro, mesmo tendo partido muito depois.

Não pensem que os que são contra o diploma querem fazer matérias investigativas, querem denunciar as agruras do mundo ou expor sua vida de facilidades sob qualquer risco. Não pensem que eles sonham em ser pesquisadores da área da Comunicação ou queiram participar de discussões, debates, congressos que contribuam para o crescimento da pesquisa em Comunicação. Que nada. Eles querem apenas escrever ou emitir suas nobres opiniões na grande imprensa. Desde que tudo seja feito em uma sala equipada com poltronas de couro e ar-condicionado com controle remoto. Pra não cansar.

Concordo com o jornalista formado David Coimbra, de Zero Hora, parceiro de muito trabalho e boas festas, quando diz que não quer ler matérias no jornal escrita por leitores. Eu também não quero! Não quero ouvir ouvintes na rádio dizendo o que está acontecendo na BR-116. Eu não quero assistir a um telejornal que coloca o telespectador para fazer notícia. Eu quero ser informado por quem é do ramo, por jornalistas.

Eu adoraria ver um desses falsos jornalistas cobrindo – in loco, e não do quarto do hotel – o conflito entre a Rússia e a Geórgia, por exemplo. Adoraria ver um deles em meio a uma batalha campal entre a Brigada Militar e integrantes do MST, como tantas vezes os jornalistas formados já fizeram e, por isso, se arriscaram para levar a melhor informação à sociedade. Adoraria ver os defensores da desregulamentação da profissão de jornalista subir o Complexo do Alemão, no Rio, para entrevistar traficantes ou se enfiar selva adentro para uma conversa amistosa com integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Esses meus desejos, no entanto, não passam de devaneios. Jamais verei um furador de fila fazendo o velho e bom jornalismo, o jornalismo de verdade. Sim, porque jornalismo de verdade só pode ser feito por jornalista de verdade. O resto é história mal contada por quem não aprendeu a ser – e nunca será – um jornalista.

* Foto de Marcelo Collar, estudante da Unisinos, que se prepara para ser, de fato, um jornalista.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Che Guevara: imagem em movimento

Parece não haver dúvida de que o mito de Che Guevara tem se mantido presente 40 anos depois de sua morte em grande medida pela existência de uma imagem. A foto foi registrada no dia 5 de março de 1960 por Alberto Korda, que era o repórter fotográfico oficial da Revolução Cubana, em um ato em homenagem às vítimas de uma sabotagem ao barco francês La Cumbre, dinamitado no porto de Havana. A foto de Korda é apontada como a imagem mais famosa do mundo, segundo Marylan Institute, de Washington. O destino do retrato de Che encontra repouso nas palavras de Roland Barthes em suas teorias sobre fotografia. Para o pensador, “o que a fotografia reproduz ao infinito só ocorre uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente”[1]. Para Barthes, o fotografado não é apenas um alvo do fotógrafo.

Aquela ou aquele que é fotografado é o referente, espécie de pequeno simulacro, de eídolon emitido pelo objeto, que de bom grado eu chamaria de Spectrum da fotografia, porque esta palavra mantém, através de sua raiz, uma relação com o ‘espetáculo’ e a ele acrescenta essa coisa um pouco terrível que há em toda fotografia: o retorno do morto[2].

O retrato “é um campo cerrado de forças”, acredita Barthes. Segundo o pensador, é no que chama de foto-retrato que “quatro imaginários aí se cruzam, aí se afrontam, aí se deformam”[3].

Diante da objetiva, sou ao mesmo tempo: aquele que eu me julgo, aquele que eu gostaria que me julgassem, aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele se seve para exibir sua arte. Em outras palavras, ato curioso: não paro de me imitar, e é por isso que, cada vez que me faço (que me deixo) fotografar, sou infalivelmente tocado por uma sensação de inautenticidade, às vezes de impostura (como certos pesadelos podem proporcionar). Imaginariamente, a fotografia (aquela de que tenho a intenção) representa este momento muito sutil em que, para dizer a verdade, não sou nem um sujeito nem um objeto, mas antes sou um sujeito que se sente tornar-se um objeto: vivo então uma microexperiência da morte (de parêntese): torno-me verdadeiramente espectro[4].

Jean Baudrillard vai além e afirma que a fotografia é o nosso exorcismo. “A sociedade primitiva tinhas suas máscaras, a sociedade burguesa, seus espelhos, nós temos nossas imagens”[5]. Para ele, a imagem fotográfica é dramática e, por ser dramática, é exaltada até mesmo pelo cinema. “O próprio cinema cultiva o mito da câmera lenta e do congelamento como o ponto mais alto da dramaticidade”[6].

E é este grau dramático da imagem fotográfica que provoca reações, sensações e expressões no receptor, que constrói sentidos, ou seja, o imaginário. Silva afirma que o imaginário é uma língua[7], que nós nos comunicamos por meio de nossos imaginários. Nas palavras do autor, o imaginário é uma narrativa mítica da era da imagem[8]. A imagem de Che é a sua própria língua, que mesmo silenciosa, se comunica e contagia gerações.

Se a imagem fotográfica tem a capacidade de se comunicar e contagiar as sociedades, o cinema potencializa este fenômeno, especialmente porque o cinema é o ancoradouro do mito da História. Em Simulacros e Simulação, Baudrillard tece uma relação entre mito, cinema e imaginário. Para ele, a História é o nosso mito, nosso referencial que já não existe mais. Com o fim da História, segundo Baudrillard, foi o cinema que a abrigou e passou a produzir o conteúdo imaginário do mito. No caso de Che Guevara, um dos personagens mais instigantes do Século XX, o cinema tem, de tempos em tempos, se ocupado do mito guevarista e daquele período histórico. Este artigo busca estabelecer um diálogo entre o pensamento de Baudrillard sobre cinema e Diários de Motocicleta, filme de Walter Salles.
* Foto de Juan Domingues

[1] BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 13.
[2] Ibidem, 1984, p. 20.
[3] Ibidem, 1984, p. 27.
[4] Ibidem, 1984, p. 28.
[5] BAUDRILLARD, Jean. A arte da desaparição. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p. 30.
[6] Ibidem, 1997, p. 33.
[7] SILVA, Juremir M. As tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 7.
[8] Ibidem, 2003, p. 7.