sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O patrono da alegria

O patrono está feliz. Candidato ao cargo de patrono da 55ª Feira do Livro de Porto Alegre por cerca de uma década, o jornalista e escritor Carlos Urbim chegou lá este ano. Em um encontro restrito a amigos na noite de quarta-feira, 7, em um bar movimentado da Cidade Baixa, o guri daltônico de Santana do Livramento não escondeu o contentamento de ter sido eleito o personagem principal da maior festa cultural do Rio Grande do Sul.

Urbim é uma das pessoas mais pontuais que conheço. O encontro estava marcado para as 21h. Cheguei às 21h10min. Na frente do bar, o patrono. Em pé, de calça, camisa, blusão e tênis pretos e o inconfundível cabelo grisalho moldado levemente por gel, Urbim segurava um quase proibitivo cigarro na mão direita. Na esquerda, uma pequena sacola plástica com dois de seus últimos trabalhos de presente para mim (Zamprogna: a história da imigração italiana e a industrialização do Rio Grande do Sul, Via Norte, 2008) e para meu filho (Admissão ao Ginásio, Escritos, 2008). “Que bom te ver. Vamos entrar e fazer uma homenagem ao jornalismo rio-grandense”, disse, sorrindo, o autor de Saco de brinquedos, com a voz de trovão e entonação infanto-juvenil.

Membro desde o ano passado da Academia Rio-grandense de Letras, Carlos Urbim tem consciência de que sua eleição para patrono não deixa de ser uma espécie de oxigenação no restrito mundo das letras. “Eu escrevo livros infantis. Cheguei até aqui escrevendo para crianças. Isso é surpreendente”, observa, distribuindo com cuidado o molho de pimenta sobre o bolinho de bacalhau fumegante. A escolha de Urbim também representa a opção pela informalidade em meio ao universo conservador, formal e sisudo das academias de letras e das câmaras de livros. Urbim quer que a velha feira da Praça da Alfândega seja uma feira renovada por um patrono que representa a felicidade espontânea do público infantil.

Chegar a patrono da feira numa disputa com Airton Ortiz, Juremir Machado da Silva, Regina Zilberman e Luis Augusto Fischer deixaria qualquer um, de fato, orgulhoso. Mas Urbim não sente apenas orgulho. Ele tem gratidão. E muita. Por isso, quando tiver de fazer seu primeiro discurso na Praça da Alfândega, Urbim já avisou que a lista de agradecimentos será longa. “Vai ser uma lista telefônica. Não quero deixar ninguém de fora. Pretendo agradecer publicamente a todas as pessoas que trabalharam comigo nesses anos todos, inclusive muitos dos meus companheiros de redação. Sou escritor, mas sou jornalista. Eu me sinto um representante do jornalismo gaúcho neste momento”.

Antes do primeiro gole de uma gelada Pilsen uruguaia, erguemos o copo para o brinde. E Urbim soltou novamente o vozeirão. “Vou ser o patrono da alegria. Vou levar o sorriso à Praça da Alfândega”.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Às vezes cansa

Estou cansado dos discursos do Lula, do Jornal Nacional, dos programas esportivos do rádio gaúcho, dos comentaristas tradicionais. Cansei dos jornais que assino. Estou cansado das novas velhas notícias das editorias de política, dos escândalos do Congresso, da vida fácil dos senadores, da corrupção nacional.

Estou cansado da rotina da mídia nacional, do Dunga e de sua seleção. Cansei da CBF e de seus interesses malandros e obscuros. Estou cansado da narração do Paulo Brito, da RBSTV, e do malabarismo circense do Galvão Bueno. Estou cansado de ver tanta bobagem no noticiário esportivo.

Estou cansado da poluição ambiental, da camada de ozônio, do CO2. Cansei do oportunismo ecológico e da conversa fiada em favor do verde. Estou cansado da discussão banal e leviana sobre o pré-sal. Estou cansado do pré-sal e do discurso ideológico que vem de brinde. Estou cansado do atraso social, econômico, educacional da América Latina. Cansei do papo-furado do Hugo Chávez e do Evo Morales. Cansei do bolsa-família e do vale-refeição.

Estou cansado do cinema nacional e dos filmes da TV aberta. Cansei das opiniões das celebridades, que sempre têm algo inteligente a dizer. Estou cansado do mundo fútil que gravita em torno do narcisismo televisivo e cinematográfico.

Não tenho Orkut, mas já cansei do Orkut. Tenho twitter, mas não uso. Estou cansado do celular que faz foto, que filma, que toca FM e que, surpreendentemente, também serve para falar com alguém. Estou cansado do controle remoto.

Meu cansaço é cíclico. Não é permanente. É que nem sempre estou disposto, nem sempre estou a fim de tudo o que o mundo me oferece ou me obriga a aceitar. Hoje estou cansado. Não há motivo especial algum, nada grave. É que às vezes, cansa. Só isso. Eu canso. Às vezes.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Vale tudo

Cheguei a ficar emocionado com a notícia. Sério! A partir de agora, o povo brasileiro terá acesso à cultura. Anunciado com alarde pelo governo federal, o Vale-cultura promete colocar o pobre no cinema, no teatro, nos concertos, nas exposições de artes. O governo Lula vai bem. Encontrou na distribuição do vale o caminho das pedras. Depois do bolsa-família, a ideia é que os R$ 50,00 do VC sirvam como ferramenta de inclusão de trabalhadores de baixa renda no circuito cultural do país.

No lançamento do projeto, o presidente da República estava eufórico. Cheio de bom humor e largando as tradicionais piadinhas – foi o que li na edição online de O Globo em 23 de julho. Segundo a proposta, com este dinheiro o beneficiário poderá comprar ingressos para cinema, teatro, shows, livros, CDs (vale CD pirata?) e eventos culturais de toda ordem. Mas acho que ainda vai faltar grana para ver e ouvir Caetano Veloso, Maria Rita e outros nomes da MPB...

Sinto no ar um cheiro forte de aprovação da sociedade brasileira em relação à instituição do Vale-cultura – que ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional, é bom que se diga – na rotina nacional. Ouço coisas do tipo “até que enfim pensaram na cultura”; “show de bola, o povo precisa de cultura”; “já estava na hora da inclusão cultural”. A verdade não existe, sabemos. A verdade é uma versão bem-sucedida sobre um fato. É um ponto de vista em relação a alguma coisa. É alguma coisa vista de um ponto de vista. Então, visto assim, por este ângulo, sim, devo concordar que a ideia é boa.

Eu disse ‘a ideia é boa’. A forma como esta ideia será colocada em prática é que são elas. Não concordo com o VC, assim como não concordo com o vale-transporte, o vale-refeição, o vale-alimentação, o vale-gás, o bolsa-família. A gente não quer só comida, seu presidente. A gente quer diversão e arte, sim, como dizem os Titãs. Mas queremos tudo isso com a dignidade do salário, presidente. O vale é indigno. Enquanto o brasileiro precisar de todos esses vales pra viver, presidente, o Brasil continuará sendo o país da esmola e do assistencialismo. Continuará sendo um país sem salário, um país do vale-tudo.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Vida de ministro

Uma grande curiosidade toma conta de mim neste momento. O que o nobre ministro Gilmar Mendes faz nas horas vagas? O que faz um homem tão culto, letrado, depois que tira o peso da toga dos ombros ao final de sua, imagino, árdua labuta diária? Será que Mendes faz um happy hour com os amigos ministros? Será que ele tem amigos? Será que toma um chopinho, come churrasquinho no espeto – daqueles vendidos em estacionamentos de muitos supermercados de Brasília? Será que ele assiste a alguma partida de futebol na TV? Será que ele curte uma novela? Será que ele gosta da Norminha em cena?

Gostaria de saber como é a rotina de um homem tão nobre e poderoso. Como ele se veste em um sábado pela manhã, sem os compromissos tão exaustivos de ministro do Supremo? Será que ele veste bermuda de sarja e camisa pólo? Bem, disso eu não tenho dúvida. Gente da estirpe de Mendes, nobres da corte, sempre vestem bermuda de sarja e camisa pólo. Assim eles se acham descontraídos e elegantes ao mesmo tempo. Ficam, digamos, brega-chiques. Será que o ministro que admira cozinheiros sabe cozinhar? Será que ele reúne amigos para uma paella preparada por ele mesmo? Nossa, imaginem ser servido pelo todo-poderoso do STF... Que luxo, diria um amigo meu.

Essas perguntas rondam a minha cabeça desde que Gilmar Mendes se tornou o grande porta-voz de toga para declarar que o diploma de jornalista não precisa mais ser exigido para o exercício da profissão. Ao justificar seu voto a favor da martelada sobre o diploma, Mendes fez comparações tão infantis que me recuso a ordená-las aqui. Mas algo me chama a atenção. Ao comparar a necessidade de diploma para o exercício do jornalismo com a atividade de um cozinheiro, fiquei preocupado com o ministro. Por alguns instantes, deixei de me preocupar sobre como seria a vida banal e ordinária de Mendes. Passei a me preocupar com sua saúde! Será que nosso ministro está bem?

Será que ele está conseguindo fazer coisas mundanas, como julgar o futuro da profissão dos outros? Será que ele está mental e fisicamente saudável para compreender o que representa um diploma na vida de um universitário? Na vida de um jornalista formado, qualificado, capacitado, habilitado? Temo que não. Gilmar Mendes não parece bem. Dizem que ele sequer anda lendo jornais. Dizem que há dias não assiste a nenhum telejornal. Mas tudo isso pode ser fofoca de jornalista, intriga contra o pobre do ministro. Neste emaranhado de dúvidas que me atordoam, uma certeza eu tenho: Mendes pode até ter deixado de ler jornais, mas continua lendo a Veja. Religiosamente.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

O tempo

Acordei cedo, pensando na falta de tempo. E me dei conta que marcamos a vida pelo tempo. O tempo primitivo, das cavernas. O tempo da pedra, do fogo. Das guerras sangrentas, das cidades muradas, das cruzadas. Um tempo que parecia não ter fim. O tempo em que os deuses eram muitos. Tempo da inquisição em nome de um único deus. Tempo de buscar um novo mundo, da opressão sob o manto da colonização de povos tropicais e nus. Tempo de escravidão.

Tempo do lampião, da energia elétrica, do trem, da indústria, do capital. Tempo de dominações armadas, da força bélica de algumas nações sobre outras – este tempo nunca passa. Tempo de duas grandes guerras. De pensar uma sociedade socialista, comunista. Tempo do medo permanente de uma guerra fria. Tempo de conhecer o espaço, o universo, a galáxia. Tempo de controlar o incontrolável, a via láctea.

Tempo de crescimento econômico para alguns. De estagnação para outros. Tempo de espalhar ideologias, apagar outras. De tempos em tempos aparece alguém que logo é assassinado. O tempo se encarrega de carregar o morto ao patamar dos mitos. Tempo de trabalho pesado, de jornadas estafantes em busca da sobrevivência rural e urbana. Tempo de perder emprego e de buscar o ganho informal. Tempo de fartura. Tempo de fome. Tempo de crise do social. Tempo de crise do capital.

A mídia conta o tempo que a História só conta muito tempo depois. Tempo da imprensa contar tudo – quando a ela interessa – e de esconder o que pode – quando a ela também interessa. Tempo de literatura, de leitura. O jornal faz o tempo e avisa como será o tempo amanhã. Tempo de tecnologia. Tempo das ondas do rádio. É tempo de televisão.

O fascínio da tecnologia deixa o tempo para trás. Tudo é muito apressado para quem acha que controla o tempo. Tudo é preguiçoso para quem não percebe o que se passa ao seu redor. O tempo de hoje é apenas mais um tempo. Um tempo veloz e repleto de informações. O tempo virtual que nos move pouco se importa sobre o que, de fato, nos comove. O tempo segue firme o seu destino de sempre. Até que nos leve de volta ao tempo primitivo, das cavernas. O tempo da pedra, do fogo. Das guerras sangrentas, das cidades muradas, das cruzadas. Ao tempo que parece não ter fim.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Quem gosta de teoria?

Pessoas não gostam de teoria. Mais que isso. Pessoas têm ojeriza a tudo o que possa gravitar em torno da palavra teoria. O que importa é a prática. Sim, o mundo lá fora não tem nada de teoria. O mundo real é prático. O mercado de trabalho é prático. A vida é prática. Não há nada de teórico em acordar às 6h e sair às pressas para o trabalho, dar um duro danado o dia todo e voltar cansado pra casa à noite. A luta cotidiana por uma vida decente consome as pessoas. E as força, de certo modo, a pensarem pouco mais que o necessário.

Não me refiro ao pensamento regular, comum, sobre os fatos e as coisas da rotina urbana. A ditadura da vida prática restringe o pensamento denso, profundo sobre esse mesmo cotidiano. O prático inibe a reflexão de tal forma que tudo o que percebemos ao nosso redor acaba parecendo banal, simples. Quem não reflete acredita que tudo é assim porque é.

Se refletirmos um pouco, vamos notar que há teóricos para tudo: internet, literatura, política, comunicação, economia, televisão, fotojornalismo, teatro, cinema, futebol, medicina, urbanismo, radiojornalismo, trânsito, agricultura, cultura, drogas, sexo e rock and roll. Atrás de tudo o que possa nos parecer apenas prático existe mundos repletos de teoria.

A internet, por exemplo. A partir do www, o mundo mudou, sabemos. Mudou o jeito de buscar informações, de ler, de ouvir música, de guardar fotografias, de conversar, assistir a um filme, sintonizar uma rádio, de namorar, de se relacionar com as pessoas. E tudo isso em velocidades inimagináveis há poucos anos. Neste mundo veloz, de trocas rápidas de informação e afeto, mal conseguimos nos atualizar.

Se normalmente não nos apegávamos ao teórico, com a pressa imposta pela web ficou ainda mais difícil de pensar com profundidade. No entanto, é fundamental parar e refletir sobre os mundos que nos cercam. Há alguns dias li um artigo de André Lemos sobre cibercultura. Lá pelas tantas, o autor instiga o leitor a pensar se a internet é uma mídia. Interrompa agora a leitura deste texto por alguns minutos. Reflita sobre isso antes de prosseguir. A internet é uma mídia?

Não, a internet, diz Lemos, não é uma mídia de massa como as que conhecemos há anos. O autor explica que a diferença entre a internet e as mídias tradicionais reside na não vinculação entre o instrumento (equipamento) e a prática. Diz ele: “Quando falo que estou lendo um livro, assistindo TV ou ouvindo rádio, todos sabem o que estou fazendo. Mas quando digo que estou na internet, posso estar fazendo todas essas coisas ao mesmo tempo, além de enviar e-mail, escrever em blogs ou conversar em um chat”. Quando estamos na internet, ninguém sabe exatamente o que estamos fazendo.

Simples, não? Assim fica claro que internet, de fato, não é uma mídia de massa. O engraçado de tudo isso é que a solução ao questionamento proposto por Lemos não vem essencialmente da prática, do uso da internet. Para decepção geral dos práticos de plantão, esta resposta vem da teoria, da reflexão sobre a utilização do www.

segunda-feira, 23 de março de 2009

O Brasil não é um país democrático

Os políticos adoram dizer que o Brasil é um país democrático. Para eles, o Brasil é uma maravilha de democracia. Volta e meia, um desses engravatados elogia o “amadurecimento” do processo democrático do país. Lindo isso. Chego a ficar arrepiado quando ouço palavras tão sinceras. É óbvio que ao exaltarem a democracia verde-amarela, eles estão comparando o momento atual com a ditadura militar. Bem, neste paralelo, não há dúvida de que vivemos num país pra lá de democrático, vivemos num paraíso.

A mídia, que sofreu muito com a ditadura militar, também se derrete toda vez que os brasileiros vão às urnas escolher os “representantes do povo”. E é aí que eu quero chegar.

Jamais viveremos em um país democrático enquanto um cidadão for obrigado a votar.

Se existe uma coisa que não combina com democracia é voto obrigatório. Por que somos obrigados a isso? Por que? Costumo ouvir que é melhor ser obrigado a votar porque, do contrário, sabe-se lá que políticos serão eleitos.

Ora, por favor. Ninguém pode dizer que ficará melhor ou pior. Melhor? No Brasil, não é preciso muita coisa para que o Congresso Nacional, por exemplo, seja melhor. E também não precisa quase nada para que ele seja pior do que já é. Então, por que somos obrigados a comparecer às urnas para votar?

É claro que eu não espero que os políticos avancem no seu modo de pensar em relação a isso. Afinal, eles precisam de pessoas que votem. Do contrário, não serão eleitos. Por isso, a cada período eleitoral, eles exaltam “a força da democracia brasileira“. É uma afirmação em benefício próprio! A democracia não passa pelo voto obrigatório. O país de Barack Obama é o maior exemplo disso.

Se os políticos não avançam nesta questão, pelo menos a mídia deveria fazê-lo. Mas não faz. A mídia também se arvora nos períodos eleitorais, você sabe. No dia da votação, um dos maiores clichês da imprensa brasileira se repete: “Eleitores vão às urnas, na festa da democracia”. E manda matérias da "festa", mostrando jovens de 16 anos e pessoas de idade avançada, que não são obrigadas a votar, nas filas para darem "o exemplo de civismo e amor ao país”.

Também entendo a paixão da mídia por eleição. Das urnas saem políticos. E políticos trabalham em leis. E leis podem – e muito – beneficiar grupos de Comunicação Brasil afora.
Para os políticos e a mídia, a obrigação de votar é um ato democrático. Não é lindo isso? Nada mais livre do que ser obrigado a fazer alguma coisa, não é? Para eles, o povo precisa exercer a sua cidadania votando. Para mim, a cidadania deve ser exercida como eu acho que devo exercê-la. Como sou obrigado a ir à urna, chego à máquina de votar e anulo todas as opções. E saio de lá com a sensação de ter cumprido com o meu dever de cidadão.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Notícia boa é notícia ruim

É interessante perceber que a sociedade, de certa maneira, nunca está satisfeita com o que vê na mídia. Na rotina diária social, não é raro ouvir comentários de pessoas reclamando que os jornais só publicam notícias ruins. "Se torcer, sai sangue", dizem. Que os telejornais só mostram crimes, tragédias, acidentes, corrupção, mortes. Este tipo de comentário encontra eco na realidade, sim. Mas a preferência midiática por assuntos obscuros tem lá os seus motivos.

Não vou, neste espaço, fazer um histórico sobre a imprensa. Mas só para se ter uma idéia do que estou falando, o fotojornalismo, por exemplo, nasceu com a morte. Sim, lá nos primórdios, a sociedade tratou de enviar fotógrafos para os campos de batalha com o intuito de registrar os rostos dos que morriam em combate. Era uma prova de que o bravo soldado havia tombado. E um alívio para as famílias, que, enfim, poderiam promover seus rituais de despedida de seus entes queridos. Aos poucos, no entanto, os responsáveis pela tarefa passaram a se interessar não apenas pelo registro dos mortos, mas também pela atuação dos que ainda estavam vivos. As lentes se voltaram, então, para as cenas de guerra, o ambiente, as dificuldades no front. O texto jornalístico também sempre se ocupou da morte e das tragédias naturais e daquelas provocadas pela instável mente humana.

Uma das razões para tal predileção da imprensa está na própria natureza da sociedade. Se você já presenciou um acidente de carro numa rodovia, sabe do que estou falando. Quando isso ocorre, é comum que o trânsito fique lento nas imediações do local. Os motoristas, em vez de trafegarem normalmente, reduzem a velocidade com um único objetivo: esticar o pescoço para ver o que houve e, principalmente, para conferir se há vítimas em meio às ferragens. Ainda que as pessoas queiram distância da morte, quando ela se dá de forma violenta, passa a ganhar um interesse maior por parte do público.

Então, o que a mídia faz é simplesmente reproduzir fatos que o leitor, o ouvinte, o telespectador ou o internauta está sempre disposto a consumir. A mídia, como diz Edgar Morin, não inventou o crime, a violência, a tragédia. E ainda que muitos jornalistas achem que são deuses, eles também não inventaram a morte.

Por isso, muitas vezes tenho dificuldade para compreender o consumidor midiático. Há poucos dias, o Brasil estava mergulhado no confete, na serpentina, na batucada, no sambódromo, nas mulatas e celebridades nuas, nos desfiles das escolas de samba, nas ruas do Recife abarrotadas de frevo, maracatu e gente. Há poucos dias, o país estava sedado pelo carnaval. O noticiário nacional, embebido pela folia, abriu todos os seus espaços para o pandeiro, a cuíca e o tamborim.

Mas, incrivelmente, no meio da farra, ouvi muita gente dizer que não agüentava mais carnaval, que não suportava mais as notícias das escolas de samba, que já estava cansada de ver aquele monte de gente cantando, pulando, se beijando, se divertindo em plena felicidade. E que a imprensa não tinha mais nada de importante e sério para noticiar. É curioso, no mínimo.

Quando temos uma descontraída sequência de notícias alegres, é porque não somos sérios. Quando o noticiário mostra violência e tristeza, é porque a “mídia só gosta de mostrar tragédia”. Neste cenário sem máscaras e fantasias, cada vez mais vale a máxima jornalística de que notícia boa é notícia ruim.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O ciclo em movimento

Depois de algumas semanas de férias, o corpo parece desobedecer algumas ordens do cérebro. Ainda que também demore um pouco a recuperar o ritmo normal das atividades rotineiras, a cabeça, ao contrário do corpo, não pode se dar ao luxo de atirar-se no primeiro sofá que aparece. Braços, pernas e tronco são chegados num relaxamento, numa preguiça. E conspiram contra a volta à normalidade do pensamento. Mas a cabeça é insistente, persistente. E, mesmo de recesso, funciona sempre.

No meu caso, volto com os neurônios em perfeita ordem, ou seja, agitados como sempre, ocupados como sempre, atarefados como sempre. Alguém pode estar se perguntando se eu, afinal, descansei no verão. A resposta é sim. E muito. Fora do eixo litorâneo das beldades colunáveis gaúchas (trata-se do perímetro que compreende entre Xangri-Lá e Torres, área em que grande parte das mulheres vão para a praia de salto 15 para impressionar), eu me diverti demais.

Muito bem acompanhado pela Me e pelo Filipe*, ocupei o corpo e a mente com muito sol, algumas ondas, muito calor, pizzas, anchovas e tainhas assadas, camarões, pãezinhos de padaria de praia (por que o pão de padaria de praia é melhor que o da cidade onde moramos?) e alguns bons churrascos. Tudo isso regado a muita risada, protetor solar, litros e litros de água e uma moderada cervejinha. Então, seria desonesto se dissesse que não descansei no período de férias. Descansei, sim!

O retorno, no entanto, faz parte das férias. Voltar ao trabalho complementa o ritual de tirar alguns dias de folga. Voltar das férias para lugar nenhum não faz sentido. No meu caso, deixei a areia para trás em troca das minhas turmas de Jornalismo na Unisinos e na PUC. Além disso, começo em março meu doutorado em Comunicação, também na PUC. Por si só, essas três atividades já teriam força suficiente para motivar meu retorno das férias. Dar aula e ser aluno são ocupações gratificantes para mim. Mas o meu trabalho também me traz uma porção de outras coisas boas: traz paz ao espírito, equilibra as minhas relações mais próximas, conduz os aspectos domésticos e, claro, perpetua a inquietude da mente, que já fica pensando nas próximas férias. Só para manter o ciclo em movimento.

* Hoje, dia 25 de fevereiro, Filipe, meu filho, comemora 4.015 dias de vida. Fili, muito obrigado por me fazer feliz há 11 anos.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Férias

Olá, queridos leitores.
Vocês perceberam que o blog não tem sido atualizado nos últimos dias. Por um motivo nobre: férias. Estarei de volta a partir de 18 de fevereiro.