quinta-feira, 16 de abril de 2009

Quem gosta de teoria?

Pessoas não gostam de teoria. Mais que isso. Pessoas têm ojeriza a tudo o que possa gravitar em torno da palavra teoria. O que importa é a prática. Sim, o mundo lá fora não tem nada de teoria. O mundo real é prático. O mercado de trabalho é prático. A vida é prática. Não há nada de teórico em acordar às 6h e sair às pressas para o trabalho, dar um duro danado o dia todo e voltar cansado pra casa à noite. A luta cotidiana por uma vida decente consome as pessoas. E as força, de certo modo, a pensarem pouco mais que o necessário.

Não me refiro ao pensamento regular, comum, sobre os fatos e as coisas da rotina urbana. A ditadura da vida prática restringe o pensamento denso, profundo sobre esse mesmo cotidiano. O prático inibe a reflexão de tal forma que tudo o que percebemos ao nosso redor acaba parecendo banal, simples. Quem não reflete acredita que tudo é assim porque é.

Se refletirmos um pouco, vamos notar que há teóricos para tudo: internet, literatura, política, comunicação, economia, televisão, fotojornalismo, teatro, cinema, futebol, medicina, urbanismo, radiojornalismo, trânsito, agricultura, cultura, drogas, sexo e rock and roll. Atrás de tudo o que possa nos parecer apenas prático existe mundos repletos de teoria.

A internet, por exemplo. A partir do www, o mundo mudou, sabemos. Mudou o jeito de buscar informações, de ler, de ouvir música, de guardar fotografias, de conversar, assistir a um filme, sintonizar uma rádio, de namorar, de se relacionar com as pessoas. E tudo isso em velocidades inimagináveis há poucos anos. Neste mundo veloz, de trocas rápidas de informação e afeto, mal conseguimos nos atualizar.

Se normalmente não nos apegávamos ao teórico, com a pressa imposta pela web ficou ainda mais difícil de pensar com profundidade. No entanto, é fundamental parar e refletir sobre os mundos que nos cercam. Há alguns dias li um artigo de André Lemos sobre cibercultura. Lá pelas tantas, o autor instiga o leitor a pensar se a internet é uma mídia. Interrompa agora a leitura deste texto por alguns minutos. Reflita sobre isso antes de prosseguir. A internet é uma mídia?

Não, a internet, diz Lemos, não é uma mídia de massa como as que conhecemos há anos. O autor explica que a diferença entre a internet e as mídias tradicionais reside na não vinculação entre o instrumento (equipamento) e a prática. Diz ele: “Quando falo que estou lendo um livro, assistindo TV ou ouvindo rádio, todos sabem o que estou fazendo. Mas quando digo que estou na internet, posso estar fazendo todas essas coisas ao mesmo tempo, além de enviar e-mail, escrever em blogs ou conversar em um chat”. Quando estamos na internet, ninguém sabe exatamente o que estamos fazendo.

Simples, não? Assim fica claro que internet, de fato, não é uma mídia de massa. O engraçado de tudo isso é que a solução ao questionamento proposto por Lemos não vem essencialmente da prática, do uso da internet. Para decepção geral dos práticos de plantão, esta resposta vem da teoria, da reflexão sobre a utilização do www.

segunda-feira, 23 de março de 2009

O Brasil não é um país democrático

Os políticos adoram dizer que o Brasil é um país democrático. Para eles, o Brasil é uma maravilha de democracia. Volta e meia, um desses engravatados elogia o “amadurecimento” do processo democrático do país. Lindo isso. Chego a ficar arrepiado quando ouço palavras tão sinceras. É óbvio que ao exaltarem a democracia verde-amarela, eles estão comparando o momento atual com a ditadura militar. Bem, neste paralelo, não há dúvida de que vivemos num país pra lá de democrático, vivemos num paraíso.

A mídia, que sofreu muito com a ditadura militar, também se derrete toda vez que os brasileiros vão às urnas escolher os “representantes do povo”. E é aí que eu quero chegar.

Jamais viveremos em um país democrático enquanto um cidadão for obrigado a votar.

Se existe uma coisa que não combina com democracia é voto obrigatório. Por que somos obrigados a isso? Por que? Costumo ouvir que é melhor ser obrigado a votar porque, do contrário, sabe-se lá que políticos serão eleitos.

Ora, por favor. Ninguém pode dizer que ficará melhor ou pior. Melhor? No Brasil, não é preciso muita coisa para que o Congresso Nacional, por exemplo, seja melhor. E também não precisa quase nada para que ele seja pior do que já é. Então, por que somos obrigados a comparecer às urnas para votar?

É claro que eu não espero que os políticos avancem no seu modo de pensar em relação a isso. Afinal, eles precisam de pessoas que votem. Do contrário, não serão eleitos. Por isso, a cada período eleitoral, eles exaltam “a força da democracia brasileira“. É uma afirmação em benefício próprio! A democracia não passa pelo voto obrigatório. O país de Barack Obama é o maior exemplo disso.

Se os políticos não avançam nesta questão, pelo menos a mídia deveria fazê-lo. Mas não faz. A mídia também se arvora nos períodos eleitorais, você sabe. No dia da votação, um dos maiores clichês da imprensa brasileira se repete: “Eleitores vão às urnas, na festa da democracia”. E manda matérias da "festa", mostrando jovens de 16 anos e pessoas de idade avançada, que não são obrigadas a votar, nas filas para darem "o exemplo de civismo e amor ao país”.

Também entendo a paixão da mídia por eleição. Das urnas saem políticos. E políticos trabalham em leis. E leis podem – e muito – beneficiar grupos de Comunicação Brasil afora.
Para os políticos e a mídia, a obrigação de votar é um ato democrático. Não é lindo isso? Nada mais livre do que ser obrigado a fazer alguma coisa, não é? Para eles, o povo precisa exercer a sua cidadania votando. Para mim, a cidadania deve ser exercida como eu acho que devo exercê-la. Como sou obrigado a ir à urna, chego à máquina de votar e anulo todas as opções. E saio de lá com a sensação de ter cumprido com o meu dever de cidadão.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Notícia boa é notícia ruim

É interessante perceber que a sociedade, de certa maneira, nunca está satisfeita com o que vê na mídia. Na rotina diária social, não é raro ouvir comentários de pessoas reclamando que os jornais só publicam notícias ruins. "Se torcer, sai sangue", dizem. Que os telejornais só mostram crimes, tragédias, acidentes, corrupção, mortes. Este tipo de comentário encontra eco na realidade, sim. Mas a preferência midiática por assuntos obscuros tem lá os seus motivos.

Não vou, neste espaço, fazer um histórico sobre a imprensa. Mas só para se ter uma idéia do que estou falando, o fotojornalismo, por exemplo, nasceu com a morte. Sim, lá nos primórdios, a sociedade tratou de enviar fotógrafos para os campos de batalha com o intuito de registrar os rostos dos que morriam em combate. Era uma prova de que o bravo soldado havia tombado. E um alívio para as famílias, que, enfim, poderiam promover seus rituais de despedida de seus entes queridos. Aos poucos, no entanto, os responsáveis pela tarefa passaram a se interessar não apenas pelo registro dos mortos, mas também pela atuação dos que ainda estavam vivos. As lentes se voltaram, então, para as cenas de guerra, o ambiente, as dificuldades no front. O texto jornalístico também sempre se ocupou da morte e das tragédias naturais e daquelas provocadas pela instável mente humana.

Uma das razões para tal predileção da imprensa está na própria natureza da sociedade. Se você já presenciou um acidente de carro numa rodovia, sabe do que estou falando. Quando isso ocorre, é comum que o trânsito fique lento nas imediações do local. Os motoristas, em vez de trafegarem normalmente, reduzem a velocidade com um único objetivo: esticar o pescoço para ver o que houve e, principalmente, para conferir se há vítimas em meio às ferragens. Ainda que as pessoas queiram distância da morte, quando ela se dá de forma violenta, passa a ganhar um interesse maior por parte do público.

Então, o que a mídia faz é simplesmente reproduzir fatos que o leitor, o ouvinte, o telespectador ou o internauta está sempre disposto a consumir. A mídia, como diz Edgar Morin, não inventou o crime, a violência, a tragédia. E ainda que muitos jornalistas achem que são deuses, eles também não inventaram a morte.

Por isso, muitas vezes tenho dificuldade para compreender o consumidor midiático. Há poucos dias, o Brasil estava mergulhado no confete, na serpentina, na batucada, no sambódromo, nas mulatas e celebridades nuas, nos desfiles das escolas de samba, nas ruas do Recife abarrotadas de frevo, maracatu e gente. Há poucos dias, o país estava sedado pelo carnaval. O noticiário nacional, embebido pela folia, abriu todos os seus espaços para o pandeiro, a cuíca e o tamborim.

Mas, incrivelmente, no meio da farra, ouvi muita gente dizer que não agüentava mais carnaval, que não suportava mais as notícias das escolas de samba, que já estava cansada de ver aquele monte de gente cantando, pulando, se beijando, se divertindo em plena felicidade. E que a imprensa não tinha mais nada de importante e sério para noticiar. É curioso, no mínimo.

Quando temos uma descontraída sequência de notícias alegres, é porque não somos sérios. Quando o noticiário mostra violência e tristeza, é porque a “mídia só gosta de mostrar tragédia”. Neste cenário sem máscaras e fantasias, cada vez mais vale a máxima jornalística de que notícia boa é notícia ruim.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O ciclo em movimento

Depois de algumas semanas de férias, o corpo parece desobedecer algumas ordens do cérebro. Ainda que também demore um pouco a recuperar o ritmo normal das atividades rotineiras, a cabeça, ao contrário do corpo, não pode se dar ao luxo de atirar-se no primeiro sofá que aparece. Braços, pernas e tronco são chegados num relaxamento, numa preguiça. E conspiram contra a volta à normalidade do pensamento. Mas a cabeça é insistente, persistente. E, mesmo de recesso, funciona sempre.

No meu caso, volto com os neurônios em perfeita ordem, ou seja, agitados como sempre, ocupados como sempre, atarefados como sempre. Alguém pode estar se perguntando se eu, afinal, descansei no verão. A resposta é sim. E muito. Fora do eixo litorâneo das beldades colunáveis gaúchas (trata-se do perímetro que compreende entre Xangri-Lá e Torres, área em que grande parte das mulheres vão para a praia de salto 15 para impressionar), eu me diverti demais.

Muito bem acompanhado pela Me e pelo Filipe*, ocupei o corpo e a mente com muito sol, algumas ondas, muito calor, pizzas, anchovas e tainhas assadas, camarões, pãezinhos de padaria de praia (por que o pão de padaria de praia é melhor que o da cidade onde moramos?) e alguns bons churrascos. Tudo isso regado a muita risada, protetor solar, litros e litros de água e uma moderada cervejinha. Então, seria desonesto se dissesse que não descansei no período de férias. Descansei, sim!

O retorno, no entanto, faz parte das férias. Voltar ao trabalho complementa o ritual de tirar alguns dias de folga. Voltar das férias para lugar nenhum não faz sentido. No meu caso, deixei a areia para trás em troca das minhas turmas de Jornalismo na Unisinos e na PUC. Além disso, começo em março meu doutorado em Comunicação, também na PUC. Por si só, essas três atividades já teriam força suficiente para motivar meu retorno das férias. Dar aula e ser aluno são ocupações gratificantes para mim. Mas o meu trabalho também me traz uma porção de outras coisas boas: traz paz ao espírito, equilibra as minhas relações mais próximas, conduz os aspectos domésticos e, claro, perpetua a inquietude da mente, que já fica pensando nas próximas férias. Só para manter o ciclo em movimento.

* Hoje, dia 25 de fevereiro, Filipe, meu filho, comemora 4.015 dias de vida. Fili, muito obrigado por me fazer feliz há 11 anos.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Férias

Olá, queridos leitores.
Vocês perceberam que o blog não tem sido atualizado nos últimos dias. Por um motivo nobre: férias. Estarei de volta a partir de 18 de fevereiro.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

As ruas da minha infância

Dia desses, enquanto dirigia pela cidade, o Filipe, meu filho, que tem dez anos, me fez uma pergunta difícil de responder.

É bom ser adulto, pai?

Num primeiro momento, disse apenas um “depende”. Como qualquer criança, Filipe não se dá por satisfeito com respostas ridículas como a que eu acabara de lhe dar. E voltou à carga: “É bom ou não é bom ser adulto?” Disse a ele que todas as etapas da vida são boas, que precisamos compreender todas as idades como elas devem ser compreendidas, ou seja, de maneiras diferentes, e destilei outras bobagens periféricas. “É bom ou não é bom ser adulto?” – repetiu o Filipe, já impaciente.

É bom – respondi.
Por quê? – Retrucou meu filho, olhando-me com os olhos castanhos e lindos.
É difícil de responder, filho – me desculpei. E avancei: É bom porque podemos fazer coisas que crianças não podem. Por outro lado, também é bom ser criança. Porque crianças podem fazer coisas que adultos não podem mais fazer.

Em seguida, Filipe começou a ler alguns outdoors ao longo da Avenida Ipiranga, em Porto Alegre. Era a senha de que ele, ao menos aparentemente, havia ficado satisfeito com minha resposta. Mas eu tenho a mania de martelar coisas na minha cabeça. Em geral, assuntos difíceis de encontrar respostas definitivas. Não sei, mas algo no subjetivo me atrai. Então, fiz uma retrospectiva do diálogo que tive com meu filho e voltei ao passado para responder a mim mesmo se é bom ser adulto.

Lembrei da minha infância, em meados da década de 70. E logo de cara já me vi numa encruzilhada: qual a memória mais remota da minha infância? Incrível, mas não lembro de nada antes dos cinco ou seis anos de idade! Será que isso só acontece comigo? Serei eu um cara normal? Será que minha memória está se diluindo de forma precoce?

Depois deste surto existencial, a primeira cena me veio à mente: eu brincando no pátio de casa com meu cachorro, um pastor alemão. Lembrei dos meus amigos mais próximos, como o Raul, o Marcondes, o Batista (com os três ainda mantenho contato eventual), dos jogos de futebol na calçada da Rua Felipe de Oliveira, no Bairro Petrópolis.

Continuo percorrendo os corredores do meu próprio tempo e deparo comigo um pouco maior, cruzando a Rua Eça de Queiroz com uma Caloi linda, de cor clara e pneus altos. Como era bom andar de bicicleta até ouvir o grito de que o jantar estava pronto! Às vezes eu comia no pátio de casa para ter certeza de que meus amigos ainda estariam na rua depois do jantar para continuar nossa brincadeira. Minha casa não tinha grades, apenas um murinho de um metro de altura, se tanto.

As casas não tinham grades e a gente não tinha medo. Eu também adorava uma boa corrida de carrinhos de lomba. Eu e meus amigos chegamos a ‘construir’ um carrinho de lomba que era um ônibus. Ou seja, era um carrão de lomba, com capacidade para cinco corajosos passageiros. Tínhamos problemas para fazer as curvas, é verdade, mas nada que algodão, mercúrio e Band-Aid não resolvessem.

Como era bom aquele tempo! Como eram bons aqueles dias da minha infância... Atualmente, quando faço churrasco aos domingos na casa do meu pai, que fica na Eça de Queiroz, sempre volto um pouco ao passado. E toda vez eu repito em silêncio para mim mesmo: “Essas são as ruas da minha infância”.

Vou falar novamente com o Filipe sobre se é bom ou não ser adulto. Preciso dizer a ele que é muito melhor ser criança. Por um milhão de motivos, mas principalmente porque quando somos adultos, não conseguimos nos lembrar por completo de como foi a nossa infância. Guardamos um passado retalhado, fragmentado, sob neblina.

Só depois de pensar sobre isso é que me dou conta de uma coisa: eu queria ter conseguido guardar todos aqueles dias numa caixa secreta e segura. Queria ter guardado todas as cenas – as boas e as ruins – para mostrar para o meu filho o que eu só descobri quando me tornei adulto: que eu era a pessoa mais feliz do mundo nas minhas ruas infantis. Eu era feliz como deveriam ser os milhares de pequenos seres humanos que hoje vagueiam pelas avenidas das grandes cidades sem comida, sem brinquedo, sem casa, sem amor e sem infância.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

As mulheres, o ciúme e o futebol

Gosto de ir ao supermercado. Quase sempre encontro alguém que não vejo há algum tempo. Dia desses topei com um amigo da faculdade de Jornalismo, o Renato, em um daqueles corredores gelados das comidas prontas. Lembrei da paixão do meu amigo pelo Grêmio e perguntei o quanto ele estava ansioso pelo retorno do time à Libertadores deste ano, onde ele iria assistir aos jogos da equipe e coisa e tal. Renato, que estava sorridente, ficou sério de repente.

Não entendi aquela reação e perguntei o que havia acontecido. Com jeito de conformado, me disse que não iria assistir aos jogos pela televisão. Não assistiria a nenhum jogo este ano. Logo imaginei que ele não tivesse TV a cabo. Mas rapidamente me veio à cabeça a imagem de torcedores assistindo a jogos que só passam pelo cabo nos bares, quando a galera une o útil ao agradável: futebol, cerveja, petiscos e os amigos em volta de uma mesa. Mas ele foi seco, direto. Não iria assistir às partidas porque a mulher dele não queria.

– Como assim? – perguntei.
– Você sabe, as mulheres não gostam de futebol – disse ele. – Elas acreditam que os homens as desprezam quando sentam diante da televisão....

Resolvi trocar de assunto e, em pouco tempo, nos despedimos. Fiquei pensando na dor do meu amigo de faculdade. Pensei como uma mulher pode ser assim, tão perversa. Como ela pode privar meu amigo de assistir a uma partida de futebol na TV que dura, tão somente, noventa minutos? Na volta para casa, enquanto dirigia, refleti sobre o assunto. Por que o futebol incomoda tanto as mulheres? Não todas, claro. Conheço várias que adoram uma partida de futebol. A Me, por exemplo, gosta e entende de futebol. Nos finais de semana, assistimos a jogos na TV e vamos ao Beira-Rio. Volta e meia, em casa ou em qualquer lugar, conversamos sobre o mundo da bola, as contratações do Inter, a situação do Santos, o humor do Muricy e coisa e tal. Aliás, conheço mulheres que jogariam melhor que o gordo do Ronaldo Fenômeno, contratado pelo Corinthians para se tornar, em fim de carreira, a alegria dos zagueiros brasileiros. Mas muitas delas, de fato, não são atraídas pelo futebol. Mais que isso: elas têm ojeriza a futebol....

Depois de muito pensar, percebi que não existe preconceito das mulheres em relação ao futebol, o esporte. Isso não existe. Tanto que em época de Copa do Mundo as minhas colegas de trabalho são as primeiras a organizarem pipocas e salgadinhos para que o pessoal assista aos jogos da Seleção, quando esses ocorrem em horário de expediente por causa do fuso horário e talicoisa. Portanto, as mulheres não odeiam o futebol. O que elas sentem é ciúme.

As mulheres nutrem um ciúme mortal pelo futebol. Talvez porque as mulheres, de uma maneira geral, querem a atenção só para elas. Exclusivamente para elas. As mulheres só admitem dividir o seu amado com os filhos. E olhe lá! Às vezes, nem isso. Dividir o namorado, o marido ou o amante com bichos de estimação, raramente. Com os amigos, uma vez na vida e outra na morte. De preferência, na morte. Mas elas não suportam compartilhar os homens com o futebol. Isso, nunca!

Esse sentimento feminino é ainda mais potencializado quando o vivente tem assinatura de TV a cabo. Sim, porque a TV aberta transmite futebol apenas duas vezes por semana, às quartas-feiras à noite e aos domingos à tarde, para atrapalhar aquela maravilha de programa que é o Domingão do Faustão. Quem tem canais a cabo e gosta de futebol vive no paraíso. É futebol todos os dias e em qualquer horário. Campeonato da Inglaterra, da Alemanha, da França, da Itália, da Espanha, da Ucrânia e da Malásia. Tem os campeonatos estaduais do Brasil, o Paulistão, o Cariocão, o Gauchão, tudo no ÃO. A mulher que vive com alguém que gosta de futebol e tem TV a cabo corre sério risco de pedir divórcio em junho, no meio da temporada, antes de o time do marido perder jogadores na janela de agosto para o milionário futebol árabe.

Alguns especialistas dizem que o ciúme – este sentimento que já destruiu milhões de relacionamentos ao redor do globo – pode ser apenas insegurança. Um medo de perder o amor a que tanto se dedica. As mulheres hão de dizer que se elas não gostam de futebol, os homens empatam esse jogo porque odeiam novelas. Concordo, em parte. Um outro amigo meu só sai de casa à noite depois da novela das 8. Que já é novela das 9 há muito tempo. Mas até onde eu consigo perceber, os homens não exercem esse ciúme abusivo em relação à novela, como as mulheres praticam em relação ao futebol. E olha que a TV aberta deve passar umas 48 novelas por dia durante seis dias por semana...

Não saberia dizer se este pequeno entrave conjugal em que meu amigo de faculdade está metido tem solução imediata. Mas preciso dizer que o futebol e a novela são instituições sociais vivas, que fazem parte do imaginário social enaltecidos pela mídia. O colunista do jornal Zero Hora e meu querido amigo David Coimbra, por exemplo, diz que o futebol é uma representação da sociedade. Pode ser um exagero, mas visto de muitos pontos de vista, representa mesmo. No estádio ou no gramado estão presentes as disputas de poder, as tensões, a vitória e a derrota. A novela também exerce essa representação com histórias que envolvem a ganância, a traição, as paixões, o mocinho e o vilão. Vivemos tudo isso no nosso cotidiano e quase não nos damos conta. A sociedade se vê, diariamente, nas paixões do futebol e nas tramas das novelas. E isso não é bom nem ruim. É apenas uma pequena parte do nosso enredo social.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O Brasil não muda

O que está ruim sempre pode piorar. O ditado é tão velho quanto sábio. Neste caso, estou me referindo às novas regras da língua portuguesa, o tal Acordo Ortográfico, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro deste novo ano. Estabelecido em 1990 para padronizar a escrita em países que falam português (Brasil, Portugal, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor Leste), agora professores, alunos, colégios, universidades e empresas jornalísticas tratam de se adequar ao novo modo de escrever.

Mesmo que no Brasil as mudanças não cheguem a 1% das palavras utilizadas pelos nativos destes trópicos, não vai ser nada fácil para quem já sabe escrever reaprender os novos caminhos do hífen, por exemplo. Assim, o prefeito recém-eleito está aliviado porque permanecerá como está, mas as meninas que gostam de usar minissaia serão obrigadas a retirar o antiquado hífen e duplicar o “s”. E tem mais.

No caos anual dos aeroportos brasileiros, agora o passageiro não enfrenta apenas atrasos. O acento circunflexo do voo também se perdeu. E não me perguntem de quem foi esta idéia (quero dizer, ideia) de tirar o acento agudo dos ditongos abertos éi e ói das palavras paroxítonas.

Não sou contra mudanças. Elas não me assustam. Mas confesso que não vejo lá muita importância nesta unificação do português. Queremos unificar a escrita de uma língua cuja forma de falar seguirá a mesma em cada um dos países envolvidos. Será que os narradores brasileiros de futebol passarão a chamar a bola de “esférica”, como gritam os locutores de Portugal? Não, eles não farão isso. Por que, então, precisamos escrever como Portugal – e vice-versa – se não vamos falar do mesmo jeito?

Além disso, coisas que deveriam ser modificadas na escrita da nossa língua permanecerão da mesma maneira. O uso da crase é um exemplo disso. Alguém sabe me dizer qual é a utilidade da crase que tanto atormenta estudantes de todos os níveis Brasil afora? E o que dizer dos porquês? Tem o separado com acento, separado sem acento, junto com acento e junto sem acento! Cristo, isso é um preciosismo inexplicável...

Talvez seja por isso que o Brasil me parece, por vezes, um lugar desanimador. É um país que muda pouco quando deveria mudar tudo, como nas verbas astronômicas dedicadas aos nobres gabinetes políticos de Brasília e arredores ou nos altos impostos cobrados de cada um dos brasileiros anualmente. Impostos, aliás, que não voltam à sociedade em serviços públicos qualificados, é bom que se diga. O Brasil muda onde não precisa. E não muda onde é fundamental. Enfim, o Brasil não muda.

** Acesse www.portal3.com.br, site produzido por alunos de Jornalismo da Unisinos, para ler o Guia Prático sobre as mudanças na língua portuguesa.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Dona Tita, uma leitora

Quem vive da escrita depende, fundamentalmente, de leitores. Não há texto sem leitor. Desde 1991, quando comecei a escrever profissionalmente no jornal NH, em Novo Hamburgo, ainda como estudante de Jornalismo, compreendi a importância do leitor. É ele, e ninguém mais, quem escolhe o que quer ler. É uma opção individual, solitária, mas, ao mesmo tempo, definitiva para quem escreve.

Cada vez que coloco um texto para publicação, fico pensando se os leitores irão gostar do que escrevi ou se compreenderão o que quis, de fato, dizer. Nunca tenho a pretensão de achar que o leitor irá concordar com o que escrevo. Depois de lido, o texto não é mais meu. É de quem lê, que faz o que bem entender com o que escrevi. O leitor forma o seu próprio pensamento sobre a minha opinião.

A internet potencializou a força do leitor, que agora não apenas tem ainda mais autonomia para ler o que quer como o faz do jeito que quiser. Mais que isso. A internet proporcionou uma há até pouco tempo inimaginável aproximação entre leitores e escritores ou jornalistas. Há alguns meses, por exemplo, recebi um e-mail de um artista plástico brasileiro que vive na Itália e que, sei lá como, acabou lendo este blog. Eu nunca conversei com este artista. Nunca tinha ouvido falar dele. E talvez ele também nunca tenha ouvido falar de mim. Este é o mistério da internet. Encontramos temas, coisas e pessoas que antes não conseguiríamos não fosse a magia desta rede mundial de comunicação.

Há poucos dias, ganhei uma nova leitora: dona Tita. Ela mora em Taubaté, interior de São Paulo. Fiquei sabendo que ela tem lido os meus textos. Ainda não se animou a escrever comentários sobre o que lê neste espaço. Talvez esteja preocupada com o seu próprio texto, com algum eventual erro de pontuação ou coisas assim. Não se preocupe com isso, dona Tita. Escreva o seu comentário sempre que achar que deva fazer isso. Dê a sua opinião sobre o que a sra. lê aqui. O que importa, para quem escreve, é que, de alguma forma, o texto gere sensações no leitor. É isso o que vale, dona Tita. Obrigado por acessar o blog.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Máquina de escrever. Máquina do tempo

Levei um susto ao abrir a página 48 de Zero Hora na sexta-feira passada. Era uma matéria policial. Sempre leio esse noticiário, até porque durante muito tempo fui repórter de Polícia daquele jornal. A minha surpresa, no entanto, não se deu pelo texto ou pelo fato noticiado em si. Mas a foto, com crédito de Daniel Marenco. A foto é de uma máquina de escrever sendo utilizada pelo escrivão de polícia da delegacia de General Câmara. Uma máquina de escrever! Santo Cristo, há quanto tempo eu não via uma máquina de escrever!

Achei que os novos tempos, chamados de pós-moderno por muitos teóricos ou de modernidade líquida por Zygmunt Bauman, tivessem atropelado tudo de roldão. Mas não. O liquidificador da globalização, que mistura hábitos e costumes e desmancha tradições e culturas, parece que se esqueceu da máquina de escrever por algum motivo. Não sei se ainda existem outros exemplares como este da delegacia de General Câmara, mas não devem haver muitos outros por aí. Ainda mais assim, funcionando. O meu espanto se dá, em grande parte, porque nunca usei uma máquina de escrever. Digo, de maneira profissional. Claro, quando era criança, brincava com o equipamento do meu pai.

Sabem qual era a utilidade que eu dava para a máquina de escrever Olivetti do meu pai? Deus, lembro como se fosse hoje! Eu escrevia a escalação dos times de futebol da época.
Então, recortava cuidadosamente os nomes e os colava nos meus botões. Sim, pode não parecer, mas eu era um exímio jogador de botão. Nos dias pós-modernos chamam este esporte de “Futebol de Mesa”. Até hoje tenho os meus times de botão, que não são mais exatamente meus, mas do Filipe, que já começa a virar craque.

Mas eu falava de máquinas de escrever. Na adolescência, talvez, tenha utilizado tal ferramenta para algum trabalho escolar, não lembro. Quando comecei a estudar jornalismo, lá por 1990, na Unisinos, já tinha computador. Um ano depois, entrei para a redação do NH, em Novo Hamburgo/RS, claro. O jornal, que tem sido um pioneiro em muitos aspectos do jornalismo gaúcho, foi também o primeiro a ter a redação informatizada. Ou seja, eu já comecei minha vida profissional com teclado e tela para escrever.

Fico imaginando como seria fazer um jornal diário com máquina de escrever. Jornalistas mais antigos que eu dizem que eram bons aqueles tempos em que no final de cada dia as latas de lixo das redações ficavam abarrotadas de papel, tantas eram as vezes que os profissionais erravam o texto e tinham de começar tudo outra vez em uma lauda novinha. Eu não resistiria. Para concluir este artigo, errei, apaguei tudo e comecei de novo umas 50 vezes. Por excesso de gasto com papel, eu não resistiria em nenhuma redação daqueles bons tempos.